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“VEM AÍ MAIS UM CAMPEÃO DE AUDIÊNCIA”

Tem certas coisas empolgantes que, quando a gente fica sabendo, não pode sair comemorando de imediato. Antes precisa conferir um ou outro detalhe com potencial de transformar aquele aparente sonho num verdadeiro pesadelo.

Prestes a comemorar 90 anos de existência, o programa de rádio mais antigo da América Latina, hoje com o nome de “A Voz do Brasil”, se tornou alvo de protestos antes mesmo de entrar no ar. Teve apelidos desmoralizantes, como “o fala sozinho” e, nas várias mudanças de regime e de governos ao longo desse período, era comum ouvir promessa sobre o fim do programa. Em 2007 o velho problema d’A Voz do Brasil se tornou o embrião da criação da estatal Empresa Brasil de Comunicação, a EBC. Em tese, uma proposta interessante, mas que coleciona polêmicas e já teve vários pedidos de fechamento.

O governo Lula, então criador da estatal, neste novo mandato retomou a proposta inicial e agora está construindo uma grande rede nacional de rádio e TV da EBC. Quem está a frente do empreendimento é a jornalista e professora universitária Maíra Bittencourt, que ocupa a função de Diretora Geral. Pelo currículo profissional e acadêmico ela parece ser a diretora ideal para tocar um projeto desses. E daí? Quem pode garantir o que virá nos próximos 90 anos? Em entrevista para o site TelaViva ela contou como está sendo formada a rede, as principais novidades, mas não fez nenhuma referência a um tema fundamental: a governança. Um assunto que já foi muito comentado desde a fundação da EBC e que o governo Lula até hoje não demonstra qualquer interesse em discutir.

A Rede Nacional de Comunicação Pública hoje funciona com apenas algumas parcerias, tendo a rede legislativa como uma das principais. Com a expansão pretende chegar a todos estados e municípios do Brasil, mesmo nas comunidades mais isoladas. A promessa é levar, dentre outros temas, cultura, educação e transparência pública. Ficaram estabelecidas duas etapas iniciais para essa expansão. Começa pela instalação de geradoras e repetidoras Brasil afora. A etapa seguinte é a produção de conteúdo. Por enquanto estão sendo propostas parcerias com as universidades federais, os institutos federais e também as universidades estaduais e municipais. Dessas parcerias vão surgir as novas emissoras que farão parte da Rede Nacional. A EBC já solicitou mais de 200 canais de TV e rádio e vai levar também os equipamentos para instalar as novas emissoras. A parceria prevê a celebração de contratos, com papeis bem definidos para cada parte. Pela própria natureza dos parceiros – instituições públicas de ensino superior – é natural que haja uma oferta de conteúdo cultural, educacional, de pesquisa e desenvolvimento tecnológico. No entanto, os mais diversos temas devem fazer parte da programação dessas emissoras. Elas devem buscar atender o interesse da audiência, dentro dos temas pré estabelecidos em contrato.

Nesse sentido, a busca por conteúdo de qualidade poderá acontecer por meio de editais, que estão em formulação. E também na melhor articulação com o pessoal que produz conteúdo nas emissoras parceiras. Está previsto para maio um encontro, na EBC em Brasília, com profissionais dessas futuras emissoras. Segundo Maíra Bittencourt, o objetivo não é treinar ninguém dentro de um padrão. A ideia é começar a formação dessa identidade a partir das bases.

Cada uma dessas emissoras deve repetir um mínimo de 10 horas diárias de programação da EBC, como se fosse uma cabeça de rede. O resto do espaço de programação pode ser preenchido por conteúdo da emissora regional/local. Os dois lados, tanto a programação nacional como a regional/local podem trocar reciprocamente conteúdo, para utilizar na própria programação. A EBC já está integrada no trabalho de criação da TV 3.0. Será a nova geração tecnológica da TV digital. Um aplicativo já está sendo desenvolvido, voltado para a comunicação pública. Até uma programação internacional está prevista. Tudo isso dá a forte impressão de que a Rede Nacional de Comunicação Pública quer sair do “traço” de audiência. Num momento em que as redes privadas abertas estão menos competitivas em termos de qualidade, pode-se dizer que os próximos governos federais terão em mãos um poderoso canal de comunicação. A forma como cada um poderá utilizar, preocupa.

Quando se fala em comunicação pública as 3 letras mais lembradas são quase iguais: BBC – British Broadcasting Corporation. A corporação pública inglesa, fundada em 1922, é um exemplo de qualidade, sempre atenta à isenção, diversidade e ética. Para isso o modelo de governança teve de ser aprimorado em várias ocasiões, a última delas em 2016, com mudanças profundas. Aqui no Brasil um dos exemplos a ser considerado é a Fundação Padre Anchieta, da TV Cultura de São Paulo. A programação é de qualidade reconhecida e não traz evidências de influências políticas. E isso não acontece espontaneamente. É fruto de um modelo de governança exaustivamente discutido e pactuado.

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