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QUANDO A DISPUTA POR DINHEIRO SE INVERTE

Combinado não é caro (já ouviu isso antes?). O que parece é que as operadoras de telefonia nunca antes ouviram falar disso. Para viabilizar grandes investimentos fazem acordos com os governos federais – vários deles ao longo do tempo. Esses acordos são negociados intensamente, tendo como contrapartidas algumas obrigações que as operadoras assumem, com base em cálculos que elas mesmas fazem. Depois de tudo assinado e a parte do governo cumprida, o combinado começa a ficar caro demais.

Na semana passada o grupo de acompanhamento de um desses acordos atestou que as três grandes operadoras (ou teles, se preferir) concluíram as contrapartidas. No caso, o acordo fora realizado para o leilão de frequências do 4G, em 2013. E o atestado de conclusão é para a segunda fase de contrapartidas.

O primeiro problema está nos cálculos. Naquele acordo, uma das obrigações das teles era distribuir conversores para famílias carentes que tinham televisores antigos, não digitais. Pouco depois do leilão um novo software, brasileiro, ficou disponível para melhorar o sistema de TV digital implantado. Mas precisava de conversores de boa qualidade para levar o melhor aos domicílios. As operadoras, que tinham R$ 3,6 bilhões reservados para essa e outras contrapartidas, disseram que seria impossível pagar os tais conversores. À época, o então Ministro das Comunicações bateu na mesa e exigiu os conversores. Como resultado todos foram atendidos com os melhores conversores, centenas de emissoras educativas receberam gratuitamente todo o sistema de conversão digital e ainda outras contrapartidas foram cumpridas. Sobraram R$ 1,2 bilhão daquela reserva em dinheiro. Quer dizer, as teles erraram feio nas contas. Foi por isso que uma segunda fase de contrapartidas ficou estabelecida. O problema agora é que sobraram “apenas” R$ 400 milhões em reservas e o governo quer partir para uma terceira fase de contrapartidas.

Todo esse dinheiro, desde o começo, é do governo. Mas quem administra as contrapartidas são as empresas. Agora, no melhor estilo “toma que o filho é teu”, as teles querem que, daqui para frente, o governo assuma essa administração. Muito estranho! Afinal esse dinheiro também paga as despesas da administração. Já viu antes empresas e governo rejeitando milhões? “-Quem não quer milhões de reais?”, seria apregoado. Ou seria um jogo de cena?

Para tirar conclusões existem alguns pontos pacíficos. Por exemplo, o cálculo desses investimentos é muito falho. Outro desses pontos que também soa estranho é que algumas contrapartidas aparecem em mais de um acordo. Há acordos anteriores a 2013. E, mais recentemente, o maior acordo foi feito para a implantação do 5G. Passa de R$ 40 bilhões de dinheiro público para a estrutura do 5G em quase todo o Brasil. Quem estaria calculando essas contrapartidas das teles? E por que, mais uma vez, algumas contrapartidas – como a conexão nas escolas públicas – aparecem novamente num novo acordo?

Outro fato num vácuo de compreensão é a manutenção de algumas estruturas implantadas em regiões isoladas, nos rincões do Brasil. As teles aceitaram implantar e manter essas estruturas. Mas só agora estão questionando por quanto tempo vão fazer essa manutenção. Imagine uma pequena cidade no Norte, no Centro-Oeste, ou mesmo numa região pobre do Sudeste brasileiros. Poucas dessas cidades conseguirão manter essas redes no futuro. A população nacional está crescendo muito pouco e, previsões do IBGE, indicam que o país começa a encolher em 2047. Porém, o mais provável é que novas tecnologias surjam – como os satélites da Starlink – e essas estruturas se tornem obsoletas. Seria a oportunidade das teles se livrarem desses gastos. Por que agora não dá mais para esperar?

Por fim, se o governo tem que colocar tanto dinheiro como investimento em telecomunicações, e também na administração desses investimentos, o que está efetivamente privatizado no setor? Toda essa situação tem a ver com a rapidez das mudanças no setor de telecomunicações, por conta da inovação. Então por que tantos acordos por prazos tão longos?

Enquanto esses fatos não preocupam Brasília, um primeiro passo poderia ser pensado a partir de uma gestão central desses acordos. A cada acordo feito é criada uma empresa para fins exclusivos de administração das contrapartidas. E existe também um comitê para cada acordo, que delibera sobre as questões não previstas. Os planos de metas criados na privatização do chamado Sistema Telebrás, em 1998, também podem ajudar muito nesse planejamento. Algum controle mais eficiente precisa ser implantado para a gestão desses acordos. Caso contrário haverá mais um argumento contra esses investimentos que as empresas privadas realizam e o governo paga. Afinal, quando alguém fala que o governo paga, você sabe que isso sai do seu bolso.

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