sexta-feira, 12 de novembro de 2021
“E a vida o que é, diga lá meu irmão…” Difícil de responder. Mais fácil dizer o que não é. A vida não é aquela que a gente posta no Instagram, no Facebook, não é a selfie ao lado do famoso na palestra da empresa. Nem é o que a gente veste numa festa de casamento. A vida deve ser aquela longa rotina que fica entre esses raros momentos de alguma grandeza, que vão estampar as redes sociais. A vida da gente costuma ser uma toada monótona, repetitiva, um comportamento quase automático que não interessa a ninguém. Não mesmo? Tem certeza de que ninguém quer saber?
O lado “desinteressante” da sua vida é um dos principais negócios da Internet atualmente. A parada para o cafezinho, a conversa rápida com os amigos, o filme que você quer ver, os planos para o décimo terceiro…. Essas frivolidades, quando coletadas em massa, em tempo real, e analisadas com critérios, revelam um enigma histórico. No mínimo se põem na trilha dele, no rumo de desvendar aquilo que um gênio anunciou há séculos: a “mão mágica” do mercado, nas palavras de Adam Smith. Metaforicamente, é claro. A ideia da mão mágica do mercado abriga uma infinidade de fatores que se relacionam, às vezes, de forma quase misteriosa. E, se respeitadas algumas poucas regras básicas, ao final fazem surgir uma certa acomodação da economia, que até parece espontânea. Quase nunca há uma relação evidente sobre o que foi causa para aquele determinado efeito. Pois, é nessas coisinhas desinteressantes do lado monótono da vida de cada um, onde podem estar dados estratégicos, pelo menos sobre alguns “dedos invisíveis” do mercado.
Isso não quer dizer que, em defesa da privacidade, você deverá se isolar do mundo, se enclausurar num quarto da sua casa. Até porque hoje em dia, o conceito de pessoa “completamente isolada” significa “apenas na companhia do seu celular pessoal”. E é justamente aí onde está o grande risco do momento.
Pense bem, quando você pede alguma coisa para assistentes virtuais tipo Siri, Alexa, Google Assistente, prontamente vem alguma resposta. Significa que o seu celular está ouvindo você o tempo todo. Suas conversas não estão sendo gravadas, mas a quantidade de determinadas palavras chave informa outros sistemas, que vão programar o envio de mensagens publicitárias para alguns dos seus aplicativos. É mais ou menos o que já acontece há muito tempo a partir dos buscadores. Na prática, se algum dia você disser que às vezes tem vontade de matar a sua sogra, não vai aparecer uma guarnição da polícia à sua procura. O máximo que pode acontecer é o sistema associar sogra à mulher idosa e enviar propagandas de presentes para essa faixa etária. Se mesmo assim você não aceita essa invasão, leia com mais cuidado os “termos de uso” que você assina ao baixar ou receber determinados aplicativos no seu celular.
Ainda que você tenha toda a atenção, no mundo dos big datas ninguém está completamente a salvo da bisbilhotagem. Privacidade é uma palavra que tende a mudar como conceito jurídico e como verbete. Questão de tempo. Um exemplo recente pode ser tomado a partir da correição extraordinária instaurada nas unidades do ministério público dos estados e da União. É a Portaria 82 do Conselho Nacional do Ministério Público, publicada no último mês de agosto. De acordo com o site Convergência Digital o Conselho tomou a iniciativa porque precisa ter “conhecimento de todos os meios de investigação eventualmente utilizados pelo Ministério Público brasileiro e que possam atingir direitos e garantias individuais”.
Tudo começou com uma série de fofocas entre procuradorias, sobre uma onda de arapongagem entre promotores públicos, Ministério Público Federal, também o do Trabalho e até no Ministério Público Militar. Numa análise preliminar dos relatórios de prestação de contas apareciam valores pouco comuns para rubricas do tipo “equipamento tecnológico”, “software para comunicação interativa” e até no insuspeito “material de informática”. Era por aí que passavam compras de aparelhos de espionagem.
Como assim? Promotores estão seguindo pessoas eletronicamente, interceptando mensagens, rastreando agendas? Talvez sim, e muito mais. Como os processos são sigilosos – até quando uma tecnologia adequada interceptar – deve demorar um pouco para sabermos. O Conselho Nacional do Ministério Público promete que não vai passar pano. Se achar alguma coisa os culpados vão ser responsabilizados disciplinarmente, no âmbito administrativo e também na esfera penal, quando for o caso. Se até os “homens da lei” estão relativizando a sua privacidade, o quê não deve estar acontecendo entre os cidadãos comuns?
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