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BRASILEIRO, POR QUE NÃO?

A tecnologia dá voltas e o OTT, modelo que prosperou a partir do Netflix, pôs o mundo todo de garfo sobre a audiência da TVs, inclusive a brasileira. Pareceu uma ameaça. Mas, durante essa semana mostrou que pode ser a maior oportunidade que a indústria audiovisual brasileira já teve.

Durante o Pay TV Forum, em São Paulo, a Rede Globo anunciou que está se preparando para concorrer com o Netflix e similares no mundo todo. Será por meio de uma segunda versão do Globo Play. A possibilidade existe porque a tecnologia já é do domínio de algumas empresas no Brasil, tendo alcançado até reconhecimento internacional. O OTT é uma plataforma que gerencia arquivos de vídeo e áudio na nuvem, e pode ser acessada por um aplicativo. O conteúdo? Isso nós aprendemos a produzir há muito tempo.

É claro que o empreendimento anunciado não é um brado ufanista, mas realista, como tem de ser. Séries internacionais de primeira linha vão fazer parte do que será oferecido aos clientes. Dentre elas, The Good Doctor, The Handmaid’s Tale, Arquivo X e Moder Family. A comédia nerd The Big Bang Theory deve estrear no streaming nacional pelo aplicativo da Globo. A promessa é do Diretor Geral do Globo Play, João Mesquita. Ele garantiu também filmes dos tradicionais estúdios de Hollywood, como Warner Bros., Disney, Universal, Fox. Pequenas produtoras e filmes alternativos de várias partes do mundo vão completar o menu cosmopolita.

A experiência da Globo no mercado internacional do audiovisual deve ter ajudado bastante. Afinal, trata-se de um mercado muito fechado. O desenvolvimento da indústria cinematográfica de Hollywood envolveu todo o desenho – e domínio – da cadeia de comercialização das produções.

As distribuidoras fazem parte dessa forte conexão. No final do século passado os filmes americanos, em média, ocupavam cerca de 97% das salas de cinema do mundo todo. A histórica Vera Cruz, que se propunha a alavancar a indústria cinematográfica brasileira no início da Década de 50, naufragou por problemas de distribuição, e não por falta de qualidade nas produções.

As soluções tecnológicas, mais uma vez, estão desmontando antigos modelos de negócio, sem pedir licença. Elas criam atalhos que ignoram certas dificuldades. Principalmente aquelas que foram criadas para dar a poucos o privilégio de cobrar por facilidades. Assim as oportunidades surgem para novos concorrentes, como a Globo quer ser agora.

O novo Globo Play deve ser lançado ainda este ano. O preço da assinatura deve subir. A expectativa fica em torno de como será a campanha para lançar e promover o novo produto no mercado internacional. O Diretor João Mesquita descreve o momento do mercado OTT como algo conturbado e em transformação.

OS CONTORNOS DA HISTÓRIA

Na Arquitetura e nas Artes Visuais em geral é necessária uma distância mínima para compreender melhor cada obra. Na história, recomenda-se uma distância no tempo. Depois de mais de meio século de televisão, algumas novas especulações, com base em fatos, já podem ser testadas.

A demanda reprimida por conteúdo é uma delas. Talvez não fosse tão evidente no passado, por conta do hábito familiar de assistir à TV. A necessidade de satisfazer a maior parte das pessoas ao mesmo tempo, reduzia o poder de escolha. Na medida em que a individualização desse lazer aumentou, a demanda por mais conteúdo foi aparecendo.

Isso no caso muito particular do Brasil, onde a TV aberta e gratuita é regra até hoje. Porque em todas as outras economias de porte do planeta a TV a cabo já revelava o padrão de diversificação mínima que o audiovisual motiva. Por aqui, sem variedade na programação, a fórmula de sucesso foi o conteúdo distribuído ao longo do tempo, mais especificamente as novelas, que exigem acompanhamento diário.

A TV era ligada para ver a novela ou o Jornalismo. Por isso surgiram um bem perto do outro. O que estava nos arredores dessa programação, tinha mais chances de prosperar. E o que veio foram mais novelas. A das sete da noite, depois das dez, das seis da tarde… Muitas outras particularidades fazem parte dessa lógica, mas a verdade é que o Brasil se tornou um grande produtor e exportador de conteúdo do tipo novelas, e depois, também séries. Particularmente a Rede Globo. A “vênus platinada” não produzia apenas para a audiência aberta, mas também para revender ao Exterior. E assim, uma indústria audiovisual brasileira passou a alimentar parte da imensa clientela das TVs por assinatura pelo mundo. Gente que estava acostumada, desde sempre, a escolher e pagar pelo que querem ver.

A chegada do Netflix surpreendeu a todos na indústria cinematográfica e, em muito pouco tempo, criou um bilionário com muitos poderes. Os estúdios tradicionais parecem não se sentirem confortáveis com isso. Estão criando as próprias plataformas e abandonando o Netflix, que se vê obrigado a produzir mais e mais para atender a própria clientela. A pressa agora estaria prejudicando a qualidade do menu do atual líder no mercado OTT. Seria essa a grande oportunidade na qual a Globo está acreditando para lançar seu produto no mercado internacional.

NOVAS TECNOLOGIAS ABRINDO PORTAS

Esse efeito “democrático” da tecnologia precisa ser observado com mais daquela ambição saudável, “que ergue (…) coisas belas”. Estamos falando do empresariado brasileiro.

As novas oportunidades estão agora ao alcance de mentes férteis, conduzidas por um empreendedorismo corajoso. Basta observar quem tem dominado as primeiras posições no ranking da revista Forbes. Não são nomes ligados ao desenvolvimento de equipamentos complexos, novos hardwares. Mas sim, os que melhor souberam usar os novos recursos tecnológicos para a solução de coisas simples do cotidiano.

A Era Digital colocou o ritmo das mudanças numa outra escala. A quantidade de transformações por unidade de tempo aumentou muito e isso aumenta as chances de sucesso para mais pessoas.

As emissoras de TVs, cercadas de sério zelo nacional em vários países, ainda são concessões de direito dos estados. O mesmo no caso das rádios. Uma tecnologia como o OTT está mudando tudo isso, sem dar brechas para reações. Em princípio pode parecer uma ameaça, mas agora se vê que, aquilo que nasceu como uma emissora brasileira, poderá estar pautando a programação em outras partes do mundo. A comunicação de massa está atingindo uma dimensão global, não apenas nacional.

A inovação tecnológica está acontecendo com tal ímpeto, que não reserva todos os privilégios nem aos seus próprios criadores. Um único projeto tem tantas potencialidades, que boa parte delas só vai ser descoberta ao longo do tempo. A questão passa a ser, portanto, quem vai primeiro se dar conta do que é possível realizar, usando as ferramentas acessórias dos grandes projetos.

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