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UMA CONTA DIFÍCIL PARA OS ALGORITMOS

O caso é complicado. Algo como uma disputa entre gigantes contra super gigantes. Quer dizer, não tem ninguém com vocação para vítima nessa briga. Para entrar na discussão lato sensu, vá pensando como você se sentiria se aparecesse a palavra “ajuda” num contrato entre sua empresa e uma outra empresa com fins avidamente lucrativos.

Pois bem, a União Europeia está insistindo numa cobrança contra as chamadas big techs, a título de “ajuda”, para que as operadoras de telefonia construam novas redes. O argumento divulgado é o mesmo que poderia levar as big techs a pedir pagamentos das operadoras pela geração de novos clientes. Essa última prática até tem alguns casos parecidos no mercado. Mas, na verdade, olhando por qualquer um dos lados dá para perceber que o assunto é complicado.

O argumento da UE traz um dado surpreendente. Pouco mais da metade de todo o tráfego de dados na Internet é gerado por apenas meia dúzia de empresas de conteúdo. Não é força de expressão, são exatas 6 empresas, dos grupos Alphabet, Meta, Amazon, Netflix e Disney. As big techs usam o mesmo dado para afirmar que são as maiores geradoras de clientes para provedores de internet. Um argumento que cabe melhor no histórico dos hábitos empresariais. Empresas em geral amam clientes, têm uma fixação, uma tara incontrolável por eles. Exceção às estatais, onde os clientes são compulsórios portanto, a demanda que se encaixe nas regras e conveniências.

A raiz da questão pode estar por aí. Quem está puxando essa tese são principalmente 4 grandes operadoras europeias. A alemã Deutsche Telekom, a francesa Orange, a espanhola Telefonica e a italiana Telecom Italia. Todas elas têm um pé no palácio. Foram ou ainda são parcialmente estatais. E mesmo que suas operações tenham todos os rigores da boa prestação de serviços, é confortável saber que na mesa da diretoria senta alguém com poder para fazer leis. Do outro lado estão seis empresas norte-americanas, sobrinhas do Tio Sam que, historicamente, foi o criador das regras que o chamado Mundo Ocidental escolheu adotar para chegarmos onde estamos hoje.

O contraponto nessa polêmica fica por conta da Berec, uma entidade independente que reúne agências reguladoras de telefonia da Europa. A Body of European Regulators for Electronic Communications entende que uma mudança dessas seria uma “grande intervenção no mercado”. Estaria criando empresas que ganhariam nas duas pontas de uma cadeia o que seria, para a Berec, um “monopólio de terminações”. Se o aumento de tráfego assusta, a entidade lembra que a Internet, enquanto rede mundial sem dono, em outras ocasiões já demonstrou capacidade para atender explosões de demanda. E, para as operadoras, o custo de atualizações de rede para suprir aumento de tráfego é muito baixo para ser comparado com a construção de novas redes. Por fim, um argumento jurídico difícil de ser contestado: “o tráfego é solicitado e, portanto, ‘causado’ pelos clientes dos provedores…”. Aí a coisa pega porque todo mundo já viu na TV propaganda de provedores dizendo que “acesso ao Facebook, WhatsApp e outras redes é livre da franquia”.

O marketing das operadoras deve jogar com a lógica de médias invisíveis para o grande público. A grande maioria dos clientes utiliza uma pequena fração da franquia de dados à qual tem direito. Porém, na hora da venda, o argumento é forte. Possivelmente, o que elas oferecem não é viável nem tecnicamente e nem financeiramente. A sobra real deve ser muito maior do que na média de outros serviços, como rede de água ou energia elétrica. Porém, na hora de vender, os números das ofertas conquistam clientes.

As grandes operadoras europeias argumentam que já existem casos de cobrança por geração de tráfego na Coréia do Sul e na Austrália, dentre outros países. Mas quem deve ter acostumado mal essas gigantes foi o Brasil. Imagine que o 5G está sendo implantado aqui com praticamente todos os custos pagos pelos cofres públicos. O que equivale a dizer que essa conta é dos contribuintes, inclusive da grande maioria que não pode nem pensar em pagar celular 5G. Sem contar doação de bens reversíveis e outros valores repassados às operadoras pelo governo brasileiro. Números que deixariam a Comissão Europeia “sem jeito” para pedir algo semelhante em outros países.

Essa contenda não para por aí. A Comissão Europeia está fazendo uma consulta pública e quer levar o caso adiante. Se perguntarem para um cliente se ele quer pagar a mais por algum dos serviços, ele possivelmente vai dizer que não. Mas parece lógico que, ou para a operadora de telefonia (provedora ISP) ou para o streaming, vai ser o consumidor final quem vai pagar. Exatamente ele, que não tem nada com isso.

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