BLOG

O OVO QUE NÃO QUER CALAR

Este sólido, insurgente da revolução elíptica, o ovo, começa a ganhar um significado relevante nesses nossos dias. No Brasil eleitoral, logo após um período tão conturbado, o debate político aponta problemas e dúvidas de um país que quer recomeçar. Ou será que ainda nem começou enquanto nação? O dilema remete ao ovo (da culinária), que não pode existir senão a partir de uma galinha e esta, que não pode existir senão a partir de um ovo. Qual teria vindo primeiro?

A Era das Grandes Navegações, que deixou o mundo redondo, veio antes do GPS, o que pode parecer uma contradição, se vista pelos protocolos atuais. Mas a bússola veio antes, e isso só deve ter acontecido porque ainda antes, o homem, errante, decidiu deixar um lugar em busca de algumas respostas.

Muito bem, é a partir desse tipo de enrolação, dessa falta de objetividade, que são abordadas questões importantes de gestão para o Brasil onde navegamos. E as coisas não acontecem não é por falta das condições ideais, das verbas ou provérbios.

Já faz quase uma década que se ouve falar uma dúzia de nomes equivalentes, trocados ao longo do tempo e de partidos, visando a expansão da banda larga no Brasil. Gastaram até alguns bilhões com um satélite que ficou quase um ano perdido no espaço. Mas até hoje, no país “verifica-se que não existe uma política pública de banda larga com visão de longo prazo, …”. As aspas são devidas porque as palavras fazem parte de um acórdão do TCU, o Tribunal de Contas da União, assinado na semana passada. Mais do que isso, o documento aponta que “… não existe (sequer!) uma instância de coordenação atuante para integrar as iniciativas, suas inter-relações com outros setores e outras esferas de governo.”

Agora não se trata de intriga de oposição. O TCU explica que constatou a existência de muitos brasileiros que não têm acesso a Internet, o que representa uma ampla desvantagem para essas pessoas. Por isso decidiu elaborar o estudo, analisando centenas de documentos e decisões. Eles contradizem toda a propaganda que você pagou para ver na TV, enaltecendo medidas para universalizar o acesso à Internet no Brasil. Propaganda enganosa, agora, comprovadamente enganosa.

QUE PLANO É ESSE!?

A decisão do TCU tem quase tudo para repercutir bastante nas próximas semanas. O único atenuante é a impopularidade do atual governo, cuja fragilidade já tem sido exaustivamente comentada. No entanto, as falhas de gestão apontadas no caso específico, possivelmente são rotina em programas e políticas públicas há muito tempo, não são exclusividade do atual governo.

Dentre os vários trechos do acórdão apresentados por Samuel Possebon, em artigo para o site Teletime, vê-se que foi necessário descer até os detalhes mais elementares da elaboração de um plano de ação qualquer. O documento do TCU aponta que não houve “previsão de fontes de financiamento e de recursos necessários à sua implementação, (…) definição de ações, metas, indicadores, prazos, responsáveis por ações, competências de atores envolvidos, instâncias de coordenação, mecanismos de monitoramento e avaliação e previsão da periodicidade de sua atualização”. Chega a sugerir que o MICTIC – Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação se aproxime de uma comissão do Senado para propor mudanças na lei que regulamenta o FUST. Para que o FUST possa destinar recursos para a banda larga. Basicão, não é mesmo!?

O Tribunal recomenda ainda que a Telebrás divulgue em 90 dias a “definição de localidades onde inexista oferta adequada de serviços de conexão …”. Não ter ainda a definição dessas localidades seria um sinal de que a Telebrás não sabe nem a quem, ou a quantos, seus esforços vão servir. Como escolher uma camisa de presente a alguém que você não conhece e não tem nenhuma noção do tamanho que a pessoa veste.

Para o TCU está claro que esse mapeamento é fundamental, uma vez que “os investimentos públicos são componente importante para viabilizar a construção de redes onde a atratividade econômica seja menor e, portanto, em áreas que não atrairiam investimentos privados por si só”. Destaca ainda que os termos do Plano Nacional de Conectividade “não possuem mecanismos que evitem o direcionamento de recursos públicos para áreas, que mesmo desassistidas em um primeiro momento, apresentam grandes probabilidades de constarem, no curto prazo, nos planos de expansão das operadoras privadas… “.

Ainda sobre o programa Internet para Todos – nome mais recente da universalização da banda larga – o TCU quer que o MICTIC apresente “os critérios de escolha das localidades atendidas pelo programa (…) assim como o critério para adesão das localidades que manifestem interesse em participar do programa”. Sem essa transparência, fica fácil para favorecer as localidades lideradas por aliados políticos.

Por fim, o acórdão do TCU cita as “dificuldades de negociação para compartilhamento de infraestrutura (postes, dutos, torres e fibras ópticas) entre prestadoras de serviços de telecomunicações e concessionárias de outros serviços públicos”. Isso levaria a investimentos em duplicidade.

ASSIM É A VIDA NO TRONO

Depois de relatos tão pormenorizados, fica difícil acreditar que essa prática – ou melhor, essa impraticável gestão – esteja restrita a um programa de um único ministério. Em outros recentes governos houve casos de obras de construção civil em aeroportos, sem qualquer projeto: “-Tá vendo aqui? Levanta uma parede de tantos metros de altura até lá naquela ponta. Depois eu resolvo onde vai levantar as outras paredes e qual vai ser a cobertura.” Mais ou menos assim.

Não é de se estranhar que não haja dinheiro que sustente a máquina pública. Não tem como sobrar alguma coisa para os hospitais, para as escolas, muito menos para a segurança do principal museu da América do Sul. Um cineasta, que iniciou um projeto no Museu Nacional, disse que depois de cumprir a burocracia para obter a autorização, ficou sozinho com sua equipe, durante várias noites, sem que ninguém se importasse com o que poderia acontecer com o acervo.

A gente ouve tanto falar em mazelas na gestão pública! Informações desse tipo já não causam estranheza a muitas pessoas. A questão é que, dessa vez, está tudo documentado por um tribunal. Como tribunais de conta não têm poder judicante, para determinar obrigação de fazer, vai depender da mobilização de outras instâncias. De imediato, o que nos resta, é procurar fazer uma boa escolha para o próximo dia 7 de outubro.

ARQUIVO DE POSTAGENS

Bitnami