sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020
Ele é o maior garoto propaganda da empresa Huawei e da tecnologia chinesa. Ele é Donald Trump. Desde que insistiu em demonizar a fabricante asiática de sistemas e equipamentos de telecomunicações, o mundo inteiro começou a se perguntar por que Trump estava tão assustado. E o mundo inteiro teve como resposta o fato de que a Huawei tem a melhor tecnologia 5G e que os Estados Unidos não têm uma tecnologia competitiva para um mercado tão estratégico. Fica ainda a impressão de que os americanos seriam tão vulneráveis a ponto de vir a público para pedir ajuda ao enfrentar um concorrente.
Durante a semana o presidente do Twitter, ou melhor, o presidente dos Estados Unidos, lançou mais uma acusação contra a Huawei. Nada de novo, a mesma conversa de espionagem e roubo de patentes. A empresa está judicializando todas as acusações, o que significa que côrtes americanas terão de se pronunciar. Possivelmente, não terão como confirmar o que o presidente está dizendo. Tudo isso acontece algumas semanas após um acordo que deveria ter posto fim à guerra comercial envolvendo as duas potências.
Nas primeiras acusações, há alguns anos, o berreiro de Trump pode ter prejudicado a fabricante. Nas seguintes, a falta de demonstração foi se tornando um fator favorável aos chineses. Os trabalhadores americanos, que enxergam os chineses como devoradores de empregos, talvez ainda não tenham percebido o efeito inverso dos rompantes presidenciais. E, possivelmente, Trump conta com essa falha até as eleições do próximo mês de novembro.
É preocupante observar como a sociedade está desvalorizando as leis civis nesses tempos. O mandatário da nação-símbolo da democracia não parece medir os riscos comerciais, no médio prazo, do não cumprimento da lei, e considera apenas as vantagens pessoais no curto prazo.
Essa onda de relativizar tudo à nossa volta tem vários sinais de estar relacionada com o avanço tecnológico. É a tecnologia que altera todo o ambiente à nossa volta, bastando para isso que ela seja bem comprada pela sociedade. Então a aula da faculdade acontece online, dentro de casa, a carteira de motorista vai para o celular, a reunião da empresa é por teleconferência. O mundo fica tão diferente que as leis civis vão perdendo função. Porém, se objetivo é viver numa democracia, é importante respeitar a lei ou altera-la. Um caso acontecido na semana passada, aqui no Brasil, é bem característico dessa falta de paciência com a demora no processo legislativo. Para quem vive na velocidade dos algoritmos, o tempo voa.
A Anatel liberou a fusão da operadora AT&T, que controla a Sky, com a programadora Time Warner. Dos três conselheiros que votaram na decisão, só um foi contra. Justamente Leonardo Euler, que acumula a função de presidente da agência. Euler considera que a lei dos Serviços de Acesso Condicionado (SeAC) proíbe operadoras de atuarem como programadoras. É a chamada “propriedade cruzada”, que pode prejudicar a concorrência e o consumidor.
Quem faz coro ao discurso de Euler é o senador Vanderlan Cardoso, de Goiás, que é presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da casa. Cardoso apresentou um projeto de lei, que tramita no Senado, revogando alguns artigos da Lei do SeAC. Uma das mudanças é justamente o fim da proibição da propriedade cruzada que, uma vez aprovada, tornaria totalmente legal a tal negociação de fusão, sem riscos de judicialização ou outros questionamentos. A medida açodada, que não agrada aos radiodifusores, aconteceu praticamente no mesmo tempo em que a Anatel classificou, como Serviço de Valor Adicionado (SVA), a entrega, pela Internet, de canais lineares. Essa sim, apareceu como um agrado aos radiodifusores, que se veem livres para exibir seus canais pela rede.
O que agrava o descumprimento da lei, no caso da autorização da fusão, é que o caminho institucional para resolver esse caso já está quase totalmente pavimentado. Há um projeto de lei alterando justamente os artigos que atrapalham o negócio. Mas pareceu mais fácil passar por cima da lei do que esperar algum tempo para muda-la. A Claro, controladora da Net, é a empresa que mais se sente prejudicada nesse caso. Ao mesmo tempo em que se vê impedida de trazer para o Brasil suas empresas de programação, e até de produção, sofre a concorrência assimétrica dos canais lineares pela Internet.
As leis da natureza são irrevogáveis e ao homem cabe cumpri-las. As leis civis foram adotadas pela sociedade humana como uma forma de facilitar a nossa convivência. As transformações tecnológicas, frutos da melhor compreensão das leis naturais, podem muito bem ser implementadas com adaptações das leis civis. A recusa por esperar o tempo certo das adaptações legislativas coloca em questão todo o “contrato social” tácito que assegura nossas condições de convivência. Essa pressa pode sair muito mais cara para toda a nação.
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