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QUEM VAI PAGAR PRA VER

Areia, sol, kit praia de alumínio, muita gente bonita e o mar! Ou então, muito verde, montanhas, construção de madeira, ambiente aconchegante! Pode ser mais simples, a turma querida, banco de madeira, meio telhado e churrasco no quintal. Se nada disso conseguiu mover sua imaginação para um estado mais relaxante, que tal uma tela de altíssima definição, som imersivo, cores HDR e um catálogo de muitos filmes e games? Depois de uma paixão candente, nada pode ser melhor do que momentos de lazer. Em meio às opções mais emblemáticas ainda tem uma infinidade de coisas. Muitos se encantam com as mais simples, mas todos precisam de lazer.

O Brasil teve sete constituições depois da Independência, mas só nessa última, a de 1988, apareceu a palavra “lazer”. Acabou se firmando como uma obrigação do estado. E, no mundo, é o maior negócio da atualidade. O que mais emprega, o que mais movimenta dinheiro. Vai se consolidando a tese de que a gente nasceu e vive pra isso, para curtir, para o lazer.

Os governos se sucedem e não parecem muito preocupados em prover esse nosso direito social. O que eles querem é tributar. E isso vai ficando complicado, na medida em que a tecnologia vai facilitando nosso contato com o lazer. O caso mais específico é o desse lazer tão elementar, o mais praticado no mundo como um todo: a TV.

Para o público não mudou quase nada, é a tela conectada a uma fonte de conteúdo. No começo era a TV aberta e logo depois, por assinatura. Mais recentemente veio o videocassete, o DVD, todos chegavam de algum endereço físico próximo, onde o poder público arrecadava. Então surgiu o streaming (OTT), com suas variantes de uso e endereços virtuais, em algum lugar do planeta. Para complicar a tarefa de tributadores e tributaristas, essa profusão de fontes criou cadeias de produção muito maiores e mais complexas, envolvendo altos investimentos. Para o consumidor continua apenas uma tela e o conteúdo.

Esse foi o tema do Brasil Streaming 2019, um evento que reuniu nesta semana representantes de todos os segmentos empresariais envolvidos. Dentre os resultados do encontro, uma enxurrada de análises e de previsões pra lá de curiosas.

HÁ MAIS TRIBUTOS ENTRE O SINAL E A TERRA…

Tablet, smartphone e a sua TV, onde também conecta o console, para jogar videogame. Não é mais apenas aquela tela no centro da sala, que também já está digitalizada. O streaming foi legalizado com o Netflix e então surgiu o conceito de TV não-linear, o VoD (Video on Demand). Você assiste ao que quiser, na hora que achar melhor. Aquela TV tradicional, com uma programação definida numa sequência, é a linear.

Operadoras de TV por assinatura como a NET é quem mais estão sofrendo o impacto das mudanças. A NET antes oferecia os canais (os “pacotes” de programação) e o pay per view. Precisou passar a oferecer também o Now, quase um pay per view mais em conta, com muito mais opções. Mesmo assim ainda é pouco para enfrentar o OTT. A tradição da TV a cabo ao longo de tantas décadas fez surgir grandes corporações operando a distribuição dos pacotes. Só elas tinham o cadastro do consumidor e muita influência no mercado de produções. Agora lhes resta usar esse peso todo para brigar na justiça pela hegemonia perdida.

As smart TVs dominaram o mercado de televisores, a banda larga cresceu e os grandes canais começaram a cortar caminho, vendendo direto ao consumidor, sem passar pelas operadoras de TV. Até programação linear já chega via streaming. Sem contar as caixas de TV, tipo Chromecast, Apple TV, Roku.

Aqui no Brasil o que era regido apenas pela LGT – Lei Geral das Telecomunicações precisou ser desmembrado criando a Lei do SeAC – Serviço de Acesso Condicionado (as TVs por assinatura). Em cima delas uma série de obrigações – ceder espaço para canais comunitários, exibir filmes brasileiros etc – e muitos tributos, como o Condecine, que financia as produções nacionais. Para o streaming, quase nada. É a tal assimetria, impactando custos. E o governo só quer saber de continuar cobrando, enquanto ele mesmo adia a discussão e implementação de novas regras, mais equilibradas para todos.

Para o cliente, que tem a tela e quer o conteúdo, tudo pode ficar mais caro e as opções diminuírem, por conta de investimentos que se retraem. O cenário é de incertezas regulatórias e tributárias. Além da incerteza tecnológica, sobre as possíveis mudanças nos sistemas de entrega. As certezas estão apenas nas pontas: o consumidor vai demandar cada vez mais conteúdo e os produtores vão ter que dar conta de oferecer maior quantidade e variedade para o mercado.

Quem ouve falar no “lazer mais consumido no mundo” não imagina essa corda bamba dos grandes players desse mercado, entre o conteúdo e a tela.

PODE FICAR MAIS COMPLICADO

Para uma TV aberta forte, como a Rede Globo, as perspectivas são animadoras. Está entrando no streaming com o aplicativo próprio, com possibilidades de ganhar o mundo. Tem o sinal aberto com a maior rede nacional de radiodifusão e faz parte de todos os pacotes de TV por assinatura e principalmente, tem uma grande estrutura de produção. O principal desafio no horizonte é o que pode vir das potências tecnológicas.

Apple, Amazon, dentre outros, têm planos de entrar no mercado por todos os lados. Querem produzir, distribuir, disputar direitos para exibição de grandes shows, de eventos esportivos, querem prover até conteúdo local, como o Jornalismo. Prometem investir em plataformas de jogos. E têm muito dinheiro para fazer tudo isso acontecer em pouco tempo. Sem falar das soluções tecnológicas que eles mesmos vão definir, em casa.

Com o 5G a entrega de vídeo, música e até games vai ser mais fácil ainda. As operadoras de TV por assinatura, com grandes redes físicas ou via satélite, é que vão ser mais pressionadas, pelo custo de manutenção. Já as empresas de telefonia que, no Brasil, hoje são proibidas de entrar no mercado de produção, vão brigar mais para romper essa barreira regulatória e disputar esse mercado.

Ainda sobre o 5G, o consultor Omarson Costa, durante o Brasil Streaming 2019, citou a solução que as ligas esportivas estão testando em outros países: o aplicativo próprio. Até a Fórmula 1 já oferece, com mais câmeras, mais opções para o cliente escolher o que ver ou rever e até como assistir ao evento. Ligas de futebol e de outras modalidades fazem o mesmo. Costa prevê um sufocamento da TV aberta, abrindo espaço para o AVoD, o vídeo sob demanda pago pelos anunciantes, que hoje bancam os canais abertos.

Entre o consumidor e o conteúdo a confusão só tende a aumentar. Mas não há motivos para preocupação. Comunicação de massa, por definição, só funciona quando os preços são acessíveis.

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