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TECNOLOGIA QUE REVOGA CONTRATOS

Era dezembro de 2016 e a oposição ao então Presidente Michel Temer saiu gritando aos quatro cantos que um projeto de lei, sem passar pelo plenário do Senado, seria sancionado pelo governo e entregaria R$ 100 bilhões à empresas privadas. O valor se refere a imóveis do antigo sistema Telebrás, que ficaram à disposição das concessionárias de telefonia para prestação dos serviços. O caso foi parar no STF e, meses depois, o Ministro Luís Barroso determinou que o projeto em questão, o PLC 79, voltasse ao Senado para votação em plenário.

Desde então, dois argumentos não de afastaram mais dessa história. Do lado da oposição – também com o apoio de entidades de peso como OAB, Idec, Proteste, entre outras – segue a acusação de que o PLC 79 só atende interesses das concessionárias de telefonia. Do outro, o alto escalão do Governo Federal – tanto no período Temer como agora, com Bolsonaro – afirma que a aprovação do projeto é de suma importância para a expansão da banda larga e das telecomunicações do país.

Ora, se o projeto é tão importante assim, por que não foi votado no plenário do Senado, passando apenas por uma comissão especial? Essa pressa acabou atrasando a tramitação da matéria, que até hoje não foi votada no Senado. O debate entre prós e contras está se acirrando sob uma nuvem espessa de desinformação. Como o assunto é muito técnico, tanto do ponto de vista de engenharia como jurídico, fica fácil para criar confusão contra o PLC 79.

Foi por isso que a Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações, resolveu editar uma cartilha pública sobre o assunto. Cartilhas em geral estão associadas à formação de uma base de conhecimento, ao bê-a-bá da alfabetização, ao início de um aprendizado. E parece que é este o objetivo da Anatel. Começar novamente do começo a análise de uma mudança que precisa acontecer no setor de Telecomunicações do Brasil. E também sobre quais “acessórios” legais são fundamentais para essa mudança.

TRANAFORMAÇÃO SEM PRECEDENTES

A cartilha está mais como um desmentido de muitos argumentos lançados contra o PLC 79. Afinal, das 26 questões que a cartilha analisa, 19 são apontadas como falsas e apenas 7 verdadeiras. Ela começa abordando Questões Gerais e depois trata de dúvidas relacionadas à Adaptação às novas normas, Renovação das Radiofrequências, Satélite e finalmente do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações). Esse último é um tributo que, dentre as alterações, vai deixar de ser cobrado das empresas de radiodifusão, por não fazerem parte do sistema de telecomunicações.

Nenhum outro serviço público concedido sofreu tantas mudanças quanto as telecomunicações. Na privatização, as empresas concorrentes disputaram em leilão o serviço de telefonia fixa. O que hoje é considerado um grande “mico”, na época foi o negócio mais atrativo para as concessionárias. Faturavam muito com ligações para sistemas automáticos, que apresentavam piadas, previsão do tempo e até a hora certa. Os orelhões, como um todo, eram um serviço rentável. A extensa rede de cabos era considerada um ativo fundamental e hoje, boa parte da telefonia fixa não utiliza mais.

Com a digitalização das centrais telefônicas o espaço para equipamentos reduziu em pelo menos 75%. Milhares e milhares de metros quadrados de construção estão ociosos. A redução no número de trabalhadores de operação e manutenção foi grande. No geral a mudança foi tão expressiva que o objetivo do PLC 79 é acabar com a concessão e passar para um regime de autorização do serviço. Juridicamente, isso facilita muito os investimentos das empresas, uma vez que a evolução no setor não terminou. Pelo contrário, deve prosseguir acelerando indefinidamente.

Para adaptar um negócio que foi concedido há tanto tempo, e mudou muito, a Anatel precisa estabelecer normas que atendam o interesse público, mas também garantam a viabilidade do negócio para as operadoras. Uma equação difícil! Pelo contrato, a concessão dos serviços de telefonia encerraria em 2025. Até lá, as empresas teriam a obrigação de manter toda a telefonia fixa, os orelhões e outros serviços que não interessam mais à população. Não têm demanda, dão prejuízo. Enquanto isso, falta dinheiro para investir em banda larga, essencial para a população, para o desenvolvimento do país.

Ninguém discorda de que precisam mudar os termos do que foi contratado há mais de 20 anos, num setor que se transformou tanto. São os detalhes da nova lei, sobre o que precisa acompanhar essas mudanças, que causam tanta polêmica e tanta agitação política.

OS PONTOS MAIS POLÊMICOS

Para a comunicação à distância sem fios, a lei criou um conceito chamado espectro eletromagnético. É uma forma de organizar a emissão de ondas de sinal, nas várias frequências, sem que um sinal interfira no outro. A interferência causa ruídos ou aquela linha cruzada. Essa organização das frequências facilita muito também o desenvolvimento de novas formas de comunicação.

Para ocupar um espaço nesse espectro eletromagnético as empresas precisam pagar ao governo, através de um leilão. Aquele espaço (faixa de frequências) fica disponível para a empresa durante alguns anos. Com a aprovação do PLC 79 as empresas poderiam renovar automaticamente o contrato de uso do espectro, pagando o equivalente a 2% do faturamento a cada 2 anos.

Com isso a Anatel pretende dar mais segurança para as empresas investirem. E quer otimizar o uso desse espaço. Afinal as empresas teriam o direito de revender, para operadoras regionais, as frequências menos utilizadas. Os críticos ao projeto entendem que essa seria uma forma de doar faixas do espectro para operadoras.

A questão mais polêmica, no entanto, é sobre os imóveis que eram do sistema Telebrás e que as empresas privadas passaram a utilizar quando arremataram a concessão. Aí estariam os R$ 100 bilhões que os críticos do PLC 79 dizem que seriam doados para as concessionárias.

A Anatel considera que esses imóveis nunca foram da União e que só voltariam para o governo se o contrato de concessão ficasse valendo até o final, em 2025. O problema é que, junto com os imóveis, voltaria para o governo a obrigação de prestar os serviços. Para tanto, seria necessário pagar os investimentos em equipamentos, uma vez que nada do que era usado para telefonia em 1998 tem alguma utilidade nos dias de hoje. A outra alternativa seria abrir nova concorrência para concessão, com exigências que não devem interessar às empresas do segmento. Por isso a Anatel quer encerrar agora o contrato de concessão e transformar os gastos que as empresas teriam até 2025, por conta das exigências contratuais, em investimentos na banda larga.

Num contraponto, o Ministro Benjamin Zymler, Relator de uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União, afirma que, “mesmo no âmbito da privatização das empresas do Sistema Telebrás, não houve avaliação específica nem pagamento do valor patrimonial dos bens empregados no serviço, já que a precificação se baseou no fluxo de caixa e na geração de receitas futuras das empresas.” Portanto, para ele, os imóveis são da União e devem retornar.

Nesta semana o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, disse que o PLC 79 vai ser votado até o próximo mês de julho. Como é um projeto da Câmara Federal, caso seja modificado, deverá voltar para discussão na Câmara.

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