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A INEXORÁVEL INTERNET E A LÓGICA DOS IMPOSTOS

No começo tentaram jogar pechas contra alguns “tipos estranhos” que conseguiam achar graça em entrar na internet: “-Que babacas! Eles falam que estão navegando naquele treco Kkk.” O Kkk usado aqui, 30 anos depois, surgiu na internet. Não houve o que fazer. Toda energia humana dispendida para qualquer efeito, de alguma forma também passou a mover a rede. Uma sinergia planetária que aponta para o mito da Matrix. Como o tempo de apologias à internet já passou, melhor seguir direto para uma coisa que parece estar em curso agora.

Alguém já deve pelo menos ter tentado calcular o “PIB” da rede. Num sentido figurado, para estimar “a soma dos bens e serviços que são gerados” por ela (já que foi usado o Kkk da internet, que os economistas autorizem aqui o uso do termo PIB sem rigores conceituais). E então vem a pergunta: se comparar os negócios no mundo real, com os negócios que acontecem pela internet, de que lado se paga mais impostos?

Ao que parece é no mundo real onde a tributação é mais pesada. Talvez porque essa grande rede nasceu com aquele charme de que tudo ali era de graça. O mundo virtual oferecia visitas gratuitas a museus pelo mundo real, o Google chegou com informação de graça, também Wikipedia, até o e-mail, que se pagava para o provedor, saiu na faixa. Depois o povão foi entendendo que não era exatamente de graça e a coisa que parece estar em curso agora é um movimento de tributação maior sobre quem ganha dinheiro via internet. E, no Brasil, quem imaginaria que seria diferente?

O caso em questão é a regulamentação dos serviços de streaming e vídeos sob demanda (VoDs). Leia-se, “criação de contribuições e mais algumas obrigações” para quem atua no setor (mais uma vez, contando com a tolerância dos economistas, uma vez que taxas e contribuições, tecnicamente, não são impostos). São condições impostas (!!) aos operadores dessas atividades, a exemplo do que já acontece com os serviços de TV por assinatura. Esse último grupo, popularmente conhecido como TV paga, foi um dos que mais sofreu com o peso da concorrência do streaming. E até agora ainda é comprimido pela assimetria da legislação, que onera um setor e não cobra nada do principal concorrente. Agora o secretário executivo do Ministério da Cultura, Márcio Tavares, diz que a tal regulamentação está “no topo da escala de prioridade”. A lei parecida, que já existe, é a lei do SeAC – Serviço de Acesso Condicionado, onde a condição de acesso é pagar a mensalidade da TV. Foi aprovada em 2011, quando a Netflix era um bebê de apenas um ano, uma “experiência” no mercado. Na época, TV por assinatura era um bom negócio, que crescia no país do futebol, então próximo anfitrião da Copa do Mundo. A lei foi bem discutida e elaborada… para aqueles tempos. A tecnologia deu mais uma virada e tudo ficou muito complicado para a TV paga. O que mais pesa para o setor são a chamada “quota de tela”, que obriga a garantir espaço na programação para produções brasileiras, e a Condecine, uma contribuição que as empresas de audiovisual pagam para financiar novas produções nacionais. A ideia é que, com a regulamentação do streaming, essas obrigações e mais algumas outras também passem a ser exigidas de Netflix, Disney, Globoplay e similares.

Da parte do mercado a tendência era o contrário, de que essas obrigações não existissem mais nem para as operadoras de TV paga. Uma polêmica a ser considerada, desde que não se defenda mais moleza para o streaming. De certa forma esse segmento bilionário da indústria audiovisual já endossa isso há algum tempo. Ele próprio investe em produções nacionais em dezenas e dezenas de países pelo mundo, inclusive no Brasil. Pois sabe que temas locais são especialmente atraentes para o público local. Para a TV paga, a cabo ou por satélite, isso já é mais difícil. Em cada mercado em que atuam investem em toda uma infraestrutura, geram empregos, e têm vários custos de manutenção. O modelo de negócio é outro, não envolve produção, só distribuição. No streaming vai tudo pela internet, uma infraestrutura global cuja base é onipresente.

A internet está pondo em dúvida mais esses princípios. Aquela coisa de que qualquer tipo de cobrança compulsória dificulta a expansão das empresas e enfraquece a economia, não se encaixa aqui. Afinal, os impostos que não são cobrados sobre os serviços da rede não revertem em grandes investimentos e oferta de empregos locais. Como lembrou Márcio Tavares, em matéria divulgada no site TelaViva, o Brasil é um dos principais mercados do streaming e de outras plataformas de conteúdo. Nada contra o sucesso de negócios inovadores. Mas o organismo nacional, que permite grande faturamento das empresas, deve ser proporcionalmente valorizado. Agora é esperar para ver que forma isso tudo vai tomar no projeto de lei que o governo vai preparar. E quanto pode mudar dentro das casas legislativas.

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