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A ESTRONDOSA BOMBA SILENCIOSA

A bomba de nêutrons foi um aterrorizante rumor entre as décadas de 70 e 80 do século passado. Uma ameaça verdadeira que, por algum motivo, não foi tão comentada pela mídia aqui no Brasil. Ficou um “rumor” segundo o qual a tal bomba, em seu raio de ação, só destruía vidas, deixando construções e toda a infraestrutura intactas. Estranho, aquilo parecia ficção científica. Uma bomba que deixa tudo em pé? Deve ser mentira, o cinema teria rodado um filme de catástrofe, como fez sobre outras armas de destruição em massa.

Na verdade, trata-se de uma categoria de bomba atômica que não produz ondas de choque e nem de calor. A radiação de nêutrons, muito mais poderosa do que os raios gama, é capaz de ultrapassar praticamente todo tipo de blindagem. Paredes e muros convencionais são como peneiras tapando a luz do sol. Mas a vida, que é baseada em estruturas muito mais complexas – as células – não suporta, é totalmente desorganizada pelo efeito da bomba.

Pois é, o rumor era tenebrosamente verdadeiro. O que pode ser pior do que isso? É difícil dizer se é pior, mas fofoca é uma coisa que tem o poder de atravessar as blindagens morais mais consistentes, destruir reputações, arruinar vidas. O ganho de escala obtido com a tecnologia é o que se vê nas fake news. Essas armas imorais acuam muito mais do que as bombas de efeito moral.

Elas estão desbragadamente presentes nessas eleições. Mal o TSE pregou na parede os resultados do primeiro turno e o WhatsApp já exibia artilharia pesada dos dois lados do espectro ideológico. Pudor zero de uma extremidade a outra do pensamento político. Até a defesa é idêntica: “-Foi ele que começou!”

O pior é que a sofisticação nas armas de destruição de privacidades acaba de atingir um nível capaz de ameaçar a paz mundial. O problema está agora diante dos seus olhos. Todo cuidado é pouco. Começando por citar as fontes. Reportagem publicada pela Bloomberg na semana passada, de autoria dos jornalistas Jordan Robertson e Michael Riley, denuncia um escândalo de espionagem sem precedentes.

NANO RAPOSAS NO QUINTAL

De acordo com a reportagem um ataque cibernético muito especial teria partido de uma unidade militar chinesa. Dessa vez, nada de hackear software. A violação foi implantada em hardware. O que certamente deve envolver um grande número de cúmplices, nenhum deles de baixo escalão.

A tal unidade militar chinesa teria desenvolvido um chip minúsculo, do tamanho de uma ponta de grafite de um lápis bem apontado. Como a China é a senzala high tech do mundo, é lá que empresas americanas utilizam a mão de obra mais barata para garantir preços competitivos. Uma dessas empresas é a Supermicro, uma gigante do hardware que teria sido comparada, por um ex-funcionário da inteligência americana, a uma “Microsoft do hardware”.

A empresa, que tem plantas industriais em vários países, fabrica a maioria das suas placas mãe na China. Os chips invasores teriam sido instalados em fábricas chinesas que são fornecedoras da Supermicro. De acordo com um relatório citado na reportagem eles são cinzas ou esbranquiçados. Pelas dimensões são muito semelhantes a acopladores de condicionamento de sinal, abundantes nas placas.

Tão pequenos, comportam pouco código mas agregam memória, capacidade de rede e poder de processamento. Pelos circuitos estão conectados ao controlador de gerenciamento da placa base. É o suficiente para alterar o núcleo do sistema operacional e assim, aceitar modificações. Ao entrar em contato com terminais dos invasores, com códigos mais complexos, fica fácil espionar. Pode-se roubar chaves de criptografia para comunicações seguras e as eventuais atualizações de segurança que neutralizariam o ataque, acabam sendo bloqueadas.

Essas placas mãe estariam instaladas em servidores de quase 30 grandes corporações americanas, dentre elas a Apple e a Amazon, além de empresas do governo e um banco importante.

A reportagem da Bloomberg afirma que uma investigação do governo americano, ainda em curso, teria descoberto os ataques em 2014. A suposição é de que nenhum dado dos consumidores foi roubado, o que mais parece um esforço para tranquilizar clientes do mundo todo. Afinal, por quanto tempo essas placas adulteradas teriam sido produzidas pela Supermicro? Todas elas teriam sido instaladas em servidores vendidos no mercado? Foram rastreadas e trocadas? Sem conseguir roubar dados, os chineses não se deram conta de que foram descobertos? Ou foram abastecidos com dados falsos?

São dúvidas que aceitam várias suposições, mas precisam ser respondidas o quanto antes. Até lá, durma-se com um barulho desses…

COMO PODE SER MELHOR

Ao ouvir uma notícia dessas a sensação de total impotência é imediata. O que o cidadão comum pode fazer contra tanta sofisticação? Ou, quem deveria assumir o compromisso de prover proteção ao lugar cibernético de cada um?

Os sistemas computacionais são máquinas que têm como função básica armazenar, manipular e compartilhar dados. Quando a ideia de personal computer ganhou o mercado, esses dados passaram a ser vestígios, rastros, pedacinhos de você. O valor disso ficou mais evidente a partir dos big data, a ponto de fazer surgir leis específicas para culpar quem usa seus dados sem o seu consentimento. Só não inventaram ainda um jeito de achar todos os envolvidos nas gangues especializadas nesse tipo de crime.

Edward Snowden foi a luz mais forte a clarear essa realidade. Ou o ventilador. O estrago foi grande, suficiente para fazer pensar se esse expediente bisbilhoteiro dos militares chineses é algo tão original. Ou se já teria sido adotado por outras nações poderosas bem antes.

Numa “conta de chegar” o balanço ainda é muito favorável a esses sistemas. E a gente vai aprendendo a lidar com os riscos inerentes. O que assusta é a constatação do nível de dolo que o poder admite, ainda nos dias atuais.

A humanidade luta há milênios para que o indivíduo tenha direitos assegurados. A privacidade é o resultado do conjunto desses direitos. Ataca-la é uma forma miserável de tentar controlar ou se sobrepor ao outro. É o que se vê nesses planos de espionagem em massa, como também nas fake news, cuja cumplicidade nem sempre preocupa as pessoas.

A fake news, por definição, nunca é uma completa mentira. Precisa ser temperada com alguma verdade para dar um sabor, pelo menos um cheiro idôneo. Todos sabem disso, mas muitos aceitam o papel de idiota ao repassarem um monte de mentiras, porque tinha alguma veracidade misturada.

Um Brasil melhor dificilmente vai ser construído a partir de Brasília. Um novo sinal disso está nas campanhas dos dois candidatos do segundo turno ao Planalto. Esbanjam fake news! Com um pouco de bom senso cada um pode oferecer uma boa contribuição para conter essas mentiras. E assim haverá chances mais consistentes de um Brasil melhor.

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