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SE A ONDA É GRANDE, PRECISA SABER SURFAR

A gestão pública brasileira quer “levar uma vida moderninha”. Nesta semana o MCTIC – Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações em conjunto com o Ministério da Agricultura lançaram a Câmara Agro 4.0 que terá como objetivo “o fomento da implementação de sistemas de Internet das Coisas na agricultura”. A Câmara faz parte do Plano Nacional de IoT (Internet das Coisas), lançado em junho, que inclui também o Programa Nacional de Estratégia para Cidades Inteligentes, nascido em julho.

Já está previsto incluir instâncias semelhantes para a Saúde e para a Indústria. Esses dois últimos, ainda não anunciados, são justamente os mais sérios e desafiantes. A saúde e a indústria são muito presentes, de forma mais direta, no cotidiano de todas as classes sociais. Quando a coisa – ou melhor, a Internet das Coisas – chegar nesses setores, técnicos e políticos devem mobilizar mais a opinião pública quanto a erros e acertos do plano. Os mais fáceis, e menos arriscados, são os que dá para anunciar logo no começo, sem ter muita preocupação com a efetividade.

Há várias outras iniciativas no poder público, nos vários níveis, voltadas à preparação do país para a nova onda tecnológica, caracterizada principalmente pela IoT e pelo 5G. Mas ainda é difícil entender exatamente o que esses programas esperam da parte dos agentes econômicos e de que forma eles vão oferecer alguma contrapartida concreta.

A Câmara Agro 4.0 responde também a uma movimentação dos BRICS, o bloco de países emergentes incluindo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Numa recente reunião dos ministros das comunicações dos países do bloco, houve recomendações nesse sentido.

As iniciativas oficias que estão sendo anunciadas são importantes, reúnem grupos de ministérios/secretarias, abrem espaço para reflexões. No entanto, é necessário se situar mais claramente nesse ambiente de expectativas. A indústria de ponta fez investimentos monumentais em tecnologias disruptivas, cuja resposta do mercado precisa ser compensadora. Sem contar que só a convivência das pessoas com essas novas tecnologias vai indicar os rumos para as implementações mais promissoras. A indústria sabe que ainda vai ter que investir muito. Por isso a ordem do dia é vender, faturar. Daí tanta mobilização via governos e instituições, as mais variadas possíveis.

TECNOLOGIAS E NEGÓCIOS EMBEDED

Além do esforço de vendas por parte dos fabricantes, os políticos estão percebendo que o ufanismo tecnológico é um bom apelo eleitoral. O tema abre qualquer porta porque, as pessoas em geral, já aceitam a ideia de que tecnologias de informação e comunicações (TICs) estão presentes em todas as atividades humanas. O risco está no fato de que isso é quase tudo que a população sabe a respeito. Investimentos e decisões no setor são facilmente aceitas pelo contribuinte, na esteira da “modernização”, mesmo sem entender bem o que está sendo feito e o quanto custa de fato.

Em São Paulo o governador João Dória, publicitário das cabeça aos pés, do passado ao futuro, está inventando o “vale do silício” brasileiro. A alusão é à região dos Estados Unidos onde nasceram e prosperaram as principais indústrias TICs do mundo. Ao ritmo de “meu bem me deixa/ sempre muito à vontade/ ela me diz que é muito bom/ ter liberdade”, ele quer levar a opinião pública a concordar com um investimento altíssimo, que vai alterar bastante a logística de abastecimento da cidade.

Dória quer mudar o maior entreposto de alimentos da América do Sul para outro endereço, ainda não definido. No local ele pretende implantar o tal vale do silício – bras. Ou seria brasesp? O quanto isso interessou até agora à indústria ou aos centros de desenvolvimento nacionais de tecnologia, ainda não é possível enxergar. Mas o setor imobiliário já faz planos mirabolantes para faturar em cima da nova configuração espacial da maior cidade brasileira.

O Brasil, curiosamente, talvez seja o próprio vale do silício. Aqui estão as maiores reservas naturais de quartzo do mundo, uma das principais fontes de obtenção do silício, necessário para produzir chips e outros componentes da indústria de TICs. E mesmo tendo o mineral em tanta abundância e qualidade, temos pouca tecnologia para produção de silício de alto grau de pureza. Se até o beneficiamento do mineral ainda não é uma sólida realidade por aqui, como pensar em desenvolver uma indústria nacional de componentes de silício?

O avanço tecnológico impressiona todo o planeta, mas a realidade brasileira é pouco conhecida entre os brasileiros. De um lado, os partidos eventualmente de situação exageram, ampliam excessivamente as conquistas nacionais. Do outro lado, os eventuais oposicionistas descrevem um cenário muito pessimista. Eles “se mordem de ciúmes”.

COMPRAR O PEIXE OU A VARA DE PESCAR?

“Investir em tecnologia” é uma promessa muito genérica. Isso pode acontecer de inúmeras formas, segmentos, etapas de produção. Antes precisa ter uma eficiente “tecnologia de fomento da tecnologia” para que os recursos investidos revertam em benefícios mais imediatos e estratégicos.

Diante do afã de vendas da indústria hi tech é necessário, primeiramente, apurar a real necessidade e a relação custo/benefício. E, dada à magnitude do mercado brasileiro, deve se considerar, entre os benefícios, o grau de transferência de tecnologia a partir dos negócios realizados. Muito do que se vê na indústria chinesa veio desse tipo de exigência.

Outros gargalos históricos importantes devem ser considerados. O IoT vai reduzir custos no campo e aumentar a produtividade. Porém, enquanto não houver solução viável para a devida manutenção da malha viária, muito desses ganhos de produtividade vão literalmente se perder pelo caminho.

Desenvolver a própria tecnologia nacional sempre vai interessar, o que implica em começar pela importação e uso em determinada escala. Essa escala não vai estar, necessariamente, de acordo com as metas de vendas das fabricantes. Além disso, a difusão do uso desta ou daquela tecnologia é só o começo. A parte mais importante é justamente aquela onde o governo está cortando ou contingenciando aos bilhões. Que efeito, então, terá a criação de “programas nacionais” e “câmaras temáticas” pelo mesmo governo?

Essa “vida moderninha” que o país está encenando inclui “ser mais seguro/

e não ser tão impulsivo”, como diz a música da banda Ultraje a Rigor. Também é importante “não bancar o possessivo”, aquele que quer ter o domínio de todas as tecnologias. O adequado meio termo chama-se política nacional de desenvolvimento tecnológico e industrial. Se é que isso existe, ainda é um segredo bem guardado.

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