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JABUTICABA TIPO EXPORTAÇÃO

Primeiro o milagre, depois o santo. Já se falou tanto do bendito por aqui que alguns leitores podem ter a sensação de que o artigo é repetido. Mas, pelo milagre, a surpresa vai ser suficiente para avançar na conversa.

Ninguém menos do que a Intel tem planos baseados em duas legítimas jabuticabas para um projeto que pode alcançar dimensões globais. Numa ponta, a primeira “pretinha doce” é a grande rede nacional de TV aberta, a de maior penetração entre todos os países do mundo. Já nos acostumamos a falar da ampla cobertura de TV digital aberta que o Brasil tem, mas talvez nunca tenhamos olhado para o “digital” dessa rede com o interesse que a Intel está demonstrando. A empresa tem planos de colocar na outra ponta da rede o PC Sticker, um dongle de altíssimo desempenho, que ficaria conectado como um conversor digital na própria TV. Assim o canal de dados da TV aberta poderia ampliar a cobertura de banda larga para soluções de Internet das Coisas (IoT) e serviços para cidades inteligentes.

Quem fez a afirmação foi o Diretor de Inovação da Intel Brasil, Max Leite, conforme publicado na bela matéria de Cristina de Lucca no site IDGNow. A outra jabuticaba é o Ginga, santo da nossa história tecnológica, que estaria sendo visto como a principal alternativa para dar esse potencial ao sistema. O software 100% brasileiro é considerado pela UIT – União Internacional de Telecomunicações – como o melhor middleware de sistemas de TV digital no mundo. O canal de retorno ficaria por conta de conexão tipo Wi-Fi. Com uma plataforma dessas qualquer OTT funciona, sem usar as bandas dengosas das operadoras, que tanto reclamam da grande demanda de dados do Netflix. Êta cabloquinho bom, esse tal de Ginga!

OS GINGAS ATRAVÉS DOS TEMPOS

A matéria do IDGNow ( http://idgnow.com.br/blog/circuito/2016/09/10/tv-digital-fabricantes-e-operadoras-de-telefonia-querem-fim-da-interatividade/ ) teve oportunidade a partir de um pedido encaminhado ao Governo Federal, na semana passada, pela Eletros, a associação que reúne os montadores de aparelhos de TV aqui no Brasil (mais conhecidos como fabricantes de TV). Eles querem que o Governo revogue a obrigatoriedade de carregar o Ginga nos aparelhos. Dizem que isso custa R$ 50,00 a mais para o consumidor final e que “ninguém usa”. Talvez seja apenas mais um desaforo pra cima do Ginga, que tanta gente gosta de esculachar. É verdade, sim, que aquele Ginga que está em todo aparelho com o logo “DTVi” não serve para quase nada. É mais ou menos como instalar um telefone 0800 e não colocar ninguém para atender do outro lado. Sem conteúdo produzido pelas emissoras, o Ginga fica meio inútil.

Mas o principal problema não é esse. Quando se fala em Ginga, fala-se de várias implementações existentes. É a implementação “C” do middleware que tem potencial para baixar vídeos, para exibição sobre à programação que está no ar ou armazenar para rodar mais tarde. Por isso o set-top box que as famílias carentes do Cadastro Único vão receber tem mais memória e velocidade de processamento. Levando em conta que as vendas de aparelhos de TV no Brasil registram uma preferência de mais de 80% pelos modelos smart, dá para entender por que as fabricantes torcem o nariz para o Ginga. Mesmo considerando que o hardware dos televisores tipo smart suportaria uma versão mais avançada do Ginga, a versão do Ginga que é carregada atualmente por determinação governamental é muito simples, tem poucas funcionalidades. O mais sensato seria carregarem o Ginga C para a distinta freguesia. Ou então, vão ter que esperar o PC Sticker da Intel, que pode chegar com tudo como acessório para televisores (além das inúmeras outras funcionalidades do poderoso dongle).

NÃO DÁ PRA DESPREZAR

Desqualificar o Ginga é fácil, desde que se escolha a implementação mais simples, que foi útil para outros tempos. O conceito Ginga é outra coisa, mais fácil de ser compreendido a partir da implementação “C”. Ele abre todas as possibilidades para que a TV digital aberta deixe de ser apenas uma imagem muito melhor. Dá mais inteligência e abrangência ao sistema, possibilitando inclusive a integração BroadcastBroadband (IBB). Não são os R$ 50,00 a mais que o consumidor paga que deixam os fabricantes tão preocupados. Mas o caminho que o Ginga aponta, na contramão de uma indústria que só pensa no mercado global e na linha de aparelhos que o Primeiro Mundo pode pagar. O Ginga é eficiente, mas usa sandálias de dedo. Se entende melhor com as necessidades desse povão “em desenvolvimento”, que procura aliados versáteis e de baixo custo para ajudar na tarefa de se desenvolver.

O Ginga está mais para bancada do que para ferramenta. É sobre ele que muitas funcionalidades vão ser montadas. Isso é muito importante para uma indústria que não pode abrir mão de nada que ajude a justificar a própria sobrevivência. A TV, do jeito que está, é toda ultrapassada. Daqui a pouco mais de cinco anos o televisor precisa ser um equipamento doméstico totalmente novo para conseguir lugar na sala de todos os lares. Só assim o mundo aceitará manter o espaço que a TV aberta precisa para trafegar no espectro eletromagnético.

O mundo já viu desaparecer engenhos considerados indispensáveis como a máquina de escrever, o telex e o carburador. O telefone fixo está definhando, assim como jornais impressos e tantas outras tecnologias de longa tradição. Os fabricantes de televisores devem ter os cenários mais claros do futuro do seu mercado. Mas qualquer cenário na área de tecnologia é muito volátil. Se o poder aquisitivo dos países em desenvolvimento é limitado, em poucos anos isso pode passar a ser uma vantagem para quem vende televisores. Porque as inovações mais sofisticadas como Apple TV, Roku, Chromecast e Fire TV, podem substituir as smart TVs nos países ricos. Além disso, é nas nações mais pobres onde a TV se fortalece como “instituição”. É melhor colocar mais ginga no planejamento estratégico dos grandes fabricantes, o que pode abrir espaço para o Ginga nas novas gerações de televisores.

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