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TEM CERTEZA DE QUE NÃO VAI RECLAMAR?

“-Alô.”

“-Bom diaaaa! Meu nome é Pablo e falo da operadora Chora-Chora, do seu celular. É o senhor José quem está falando?”

“-Sim.”

“-Senhor José, o motivo da minha ligação é uma pesquisa de satisfação dos nossos clientes. O senhor está satisfeito com os serviços da Chora-Chora!?”

“-Sim, tudo bem!”

“-Alô, sr. José! O senhor está me ouvindo bem, o senhor entendeu minha pergunta!!?”

“-É, você perguntou se eu estou contente com a operadora, estou sim, tá tudo bem.”

“-Mas sr. José, deve estar havendo algum engano. Só nesta semana nós ficamos fora do ar por 6 horas seguidas na última segunda-feira.”

“-Ah é!? Eu não estava esperando ligação nenhuma, nem percebi. Até melhor, ninguém enchendo o saco na segunda-feira.”

“-Como assim!? O senhor já pensou se tivesse alguma urgência médica? Se seu filho se machucasse na escola?”

“-Meu filho já é adulto, está agora na faculdade de medicina. E ele escolheu o curso porque eu trabalho aqui no hospital desde que ele nasceu, sempre comentei coisas do trabalho em casa.”

“-Desculpe, sr. José, mas o senhor está se mostrando alguém demasiadamente egoísta. Já parou para pensar em quantas pessoas que o senhor ama podem ter sido prejudicadas? O seu senso de cidadania…”

“-Ei, peraí! Agora você quer dar palpite na minha vida!?”

“-Isso mesmo, sr. José! Agora sim! Aguarde um momento que eu vou transferir esta ligação para o setor de reclamações sobre abusos. Não esqueça de acusar a Chora-Chora de ter interrompido seu trabalho, tomei 1 minuto e 42 segundos do seu tempo e ainda, constrangi o senhor ao chama-lo de egoísta.”

Não é exatamente uma piada. No ano passado essa conversa quase se tornou uma realidade. As grandes operadoras de telefonia do Brasil querem transformar as multas por má prestação de serviços em moedas de troca, para seus investimentos. Simplesmente não querem pagar as multas. Então reivindicam “alternativas” e há indicadores de que o chororô pode funcionar.

Um TAC – Termo de Ajuste de Conduta quase chegou a ser firmado com uma das quatro grandes operadoras. Ela teria que converter R$ 300 milhões de multas, em investimentos. O argumento era de que seriam projetos de interesse da população. O TAC só não foi fechado porque outras duas operadoras protestaram. Mas as conversas sobre essas alternativas continuam. Elas podem transformar as falhas das operadoras em valores, para tocar projetos que vão aumentar o patrimônio dessas empresas.

LIBERALISMO COM DINHEIRO PÚBLICO

Se você também acreditou que os serviços de telefonia no Brasil haviam sido privatizados, que então as empresas do setor passariam a ser responsáveis por investimentos e serviços de qualidade, então você precisa compreender a nova lógica dessa conversão. Se conseguir, por favor, nos explique!

O grande desafio já foi parar na academia. Uma pesquisa está sendo desenvolvida na UnB, assinada também pelo EPRG – Economics and Politics Research Group e pelo CNPq. Um dos pesquisadores é Hélio Maurício da Fonseca que, em artigo sobre a pesquisa, publicado no site Teletime, qualificou a questão como sendo “o desafio da viabilização de projetos de investimento com recursos públicos”. Só faltou esclarecer que os projetos são privados.

O objetivo da pesquisa é criar um tipo de leilão que torne justa a troca de multas por obrigações de investimentos. Por que não adotam algum modelo importado? Possivelmente porque, em outros países, ninguém cogitaria tornar malfeitos de empresas prestadoras de serviços públicos em dinheiro para elas mesmas.

No artigo, Fonseca esclarece o histórico que nos trouxe a atual situação. Segundo ele as concessionárias, que arremataram as operadoras do antigo Sistema Telebrás, assumiram uma série de compromissos de investimentos. Diante da dificuldade em cumprir, os investidores deixaram de lado critérios de qualidade. E assim que “passou boi, então passou a boiada”. Os projetos foram concluídos, mas o padrão de qualidade se acomodou ali por baixo.

Pelo visto, esse padrão não vai continuar como está. A qualidade vai ter que ser reduzida, o que é facilmente obtido a partir da redução de custos. E então, uma parte das multas geradas por reclamação, vai se transformar em investimentos em favor da operadora infratora. Eis o desfio de “viabilizar projetos de investimento com recursos públicos”.

Por mais excepcional que resulte da pesquisa, no mínimo restará um modelo de redução dos prejuízos das operadoras, a ser somado com a redução de custos que impactou a qualidade dos serviços. Se é o caso, diminuam os valores das multas, ao invés de torna-las um mero fator de conversão. Se a moda pega, os condenados da Lava Jato também vão querer.

SERIA O SANGUE LATINO?

Privatizar estatais era para ser uma forma de viabilizar “investimentos de interesse público com recursos privados”, o contrário do que as operadoras pretendem conseguir agora. A privatização deveria promover um estímulo à concorrência, levar vantagens para o consumidor. Essas possibilidades é o que as operadoras querem evitar.

O CEO de uma das quatro grandes, ao divulgar os resultados operacionais da empresa no primeiro trimestre – com Ebtida de R$ 1,5 bilhão – fez uma crítica: “o erro de nossa indústria é continuar a competir no preço. Precisamos (…) deixar clara a diferença entre preço e qualidade”. Parece que o executivo não levou em conta que uma coisa não precisa eliminar a outra. Por sinal, o que mais se vê hoje no mundo TI é aumento da eficiência com redução de custos.

Sobre concorrência, outro executivo da mesma operadora está propondo que, para cidades menores do que 30 mil habitantes, seja implantada uma única infraestrutura, que seria compartilhada pelas 4 grandes operadoras. Se isso se parece com “racionalização”, também é muito parecido com cartelização. Afinal, são empresas concorrentes discutindo alinhamento de preços e compartilhamento de custos para explorar o mercado.

Curiosamente, as 4 grandes operadoras brasileiras já têm algo em comum, é a origem latina. Que pare por aí! E resolvam aceitar a soberania do consumidor. Hoje, às vésperas do Dia das Mães, o risco das operadoras é entrar nos memes da data, como filhas mimadas que não sabem lidar com desafios básicos.

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