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O IMPOSTO SOBRE VALOR DESAGREGADO

Na arquibancada de um estádio, intervalo de jogo, um dentista comentava a técnica eficiente para sossegar seus pacientes. Ele posiciona a cadeira de uma forma que fica muito difícil o paciente enxergar o que ele tem nas mãos. Os movimentos são bem discretos, para esconder os instrumentos. O dentista garante que essa manobra psicológica alivia muito o incômodo dos, digamos, “impacientes”. A agulha de injetar o anestésico, por exemplo, se transforma num Alien aos olhos de quem está na cadeira. Sem ver, relaxa mais. Moral da história: quando você não vê, dói menos.

Os impostos em geral seguem essa lógica. Tanto que algum oposicionista conseguiu aprovar uma lei pra exibir a dor do consumidor na nota fiscal. Mas aquele número não é tudo, pode ter certeza. A cascata de impostos é tão alta que forma aquela nuvem d’água, não dá pra perceber toda a massa fria que arrepia os contribuintes. Assim, os preços carregam muito dinheiro que não vai ser lucro do comerciante e nem serviços públicos para a população.

Uma das soluções adotadas em alguns países é o IVA – Imposto sobre Valor Agregado. Na cadeia de valor cada um paga o correspondente ao valor que agregou. O fabricante paga o IVA sobre o preço de fabricação. O atacadista paga imposto apenas sobre o valor que acrescentou, o varejista faz o mesmo. Assim ninguém paga imposto sobre imposto.

Inovação sempre agrega muito valor. Mas está passando a pagar certos “impostos” que ninguém vê. Um advogado não autorizaria a conclusão, mas o que dizer de um custo que o consumidor é obrigado a assumir na compra de um produto ou serviço, sem levar mais nada em troca?

A CULPA É DO PROGRESSO

Quem está de boca aberta desta vez são as operadoras de TV por assinatura. Já faz tempo que essa inovação chegou ao Brasil, uma solução tecnológica para trazer muitas opções a mais para a TV. Ou seja, uma tecnologia que agregou muito valor às horas de lazer que mais desocupam os brasileiros. Pois agora, em função de uma lei específica para esses serviços, as empresas do setor podem ser obrigadas a um investimento de bilhões de reais, para não acrescentar praticamente nada aos clientes. Perante a lei as TVs por assinatura são classificadas como “Serviço de Comunicação Audiovisual de Acesso Condicionado” (SeAC), porque só acessa quem paga. A Lei foi aprovada em 2011 mas as operadoras foram ao STF – Supremo Tribunal Federal para questionar a constitucionalidade de uma série de exigências.

A questão mais polêmica é o “must carry”, a “obrigação de carregar” todos os canais abertos no line up das operadoras. Ou não carrega nenhum, opção que não se aplica na realidade brasileira. Aqui, o sinal local da TV Globo é a grande preferência nacional, não pode ficar de fora. As operadoras pagam pra levar a Globo até o assinante. Mas não querem abrir espaço no line up para todos os canais locais, como as TVs educativas municipais e outras que existem por aí. Elas vão ocupar um espaço na banda sem render nada, mas trarão custos. As operadoras, como Net ou Sky, terão que mexer em toda a infraestrutura de distribuição de sinal para disponibilizar ao assinante o que ele já recebe de graça, pela antena do sinal aberto. O objetivo é garantir a isonomia, manter condições de igualdade entre todas as emissoras abertas.

MAIS QUE UM DESEJO, UMA SINA

Para as operadoras DTH, que usam as pequenas antenas parabólicas, a alternativa mais em conta seria um investimento na casa de R$ 60 milhões no prazo de cinco anos. É o que indica um estudo da Anatel. Contudo as operadoras divergem e estimam que o investimento seja bem maior, em torno de R$ 640 milhões no mesmo período. Imagine onde chega essa conta para todas as operadoras! Quem vai pagar, claro, você já sabe. Tudo em nome da isonomia, um compromisso genérico que o Governo tem com todas as emissoras. Faz sentido, a isonomia é um princípio indispensável para o bom funcionamento de uma sociedade como a nossa. Mas ela desafia a eficiência, porque as novas tecnologias tornam as coisas muito desiguais. As inovações em geral tem de chegar com a eficiência capaz de viabilizar não apenas o novo negócio, mas também suportar o custo social pelas mudanças decorrentes. Ou, no mínimo, o custo judicial, se der sorte. Em vários casos é a própria lei que proíbe e ponto final.

Ponto de táxi, por exemplo. Os governos venderam um direito permanente para uma atividade econômica que não iria ter fim. Até que um dia todo mundo passou a ter um computador no bolso e alguém inventou o Uber, um dos aplicativos da “Economia Compartilhada”. No Brasil causou tanta confusão que agora não interessa mais se é bom ou se é ruim, tanto faz se é mais em conta, a questão é estar contra a lei. O preço que se paga por isso é o que poderia ser chamado de “Imposto sobre Valor Desagregado”, para pagar o estrago que a inovação provocou nos paradigmas anteriores. É o custo de viver numa sociedade movida pelos interesses de grupos, onde o interesse da maioria se dilui, enfraquece. Ainda bem que o destino da Sociedade Humana é o progresso. Nós podemos até atrasar um pouco os fatos, mas que as mudanças virão, ah…, virão sim!

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