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A REGRA E A EXCEÇÃO VIA SATÉLITE

Esperteza, valentia ou cara de pau? É por aí que passam aqueles que se recusam a simplesmente obedecer. No caso, obedecer regras. Invenção humana, uma regra bem feita pode representar a vontade da maioria, ou a necessidade da maioria. Faz parte do esforço para se ter alguma inteligência social, porque a única inteligência que existe mesmo é do indivíduo. É também um instrumento para enfrentar a burrice da violência, o que exige da regra uma certa dose de burrice. Luz vermelha numa esquina, enquanto regra, adquire um poder virtual. Ela não vai gritar, bater em você, muito menos levar para o delegado. Mas quem não esperar apagar para acender a luz verde, estará se opondo à regra e se expondo a um sério risco.

Ninguém gosta de regras. Mas o mundo seria muito melhor se todos respeitassem as regras. Isso na teoria, porque boa parte delas é mal feita. Contaminam-se com “exceção”, nome do vírus traiçoeiro que destrói ou adoece quase todas as regras humanas. Nos casos de contaminação, os sintomas que acometem as vítimas são ira elevada, inconformismo e prejuízos generalizados, levando à típicas mudanças de comportamento tal como esperteza, valentia ou cara de pau.

O Brasil é um dos países do mundo que se destaca pela quantidade e diversidade de regras. Até pra dar um tapinha na bunda do caçula tem regra. Esse excesso facilita muito a ocorrência de exceções. É o que está acontecendo com a regra proposta para as empresas de TV por assinatura com sistema DTH, o que usa uma pequena antena parabólica para recepção do sinal. As operadoras discordam da regra e pedem exceções.

UM CONTROLE REMOTO A MAIS

O foco do problema é justamente um caso de sucesso, situação típica daquelas que não são muito bem aceitas no Brasil. E a regra em que querem inocular a exceção chama-se Lei do SeAC – Serviço de Acesso Condicionado, nome burocrático das TVs por assinatura. As operadoras DTH querem oferecer aos assinantes a programação aberta local da TV Globo. Pela lei, quem oferece uma emissora local, tem que oferecer todas as outras locais. Ficaria inviável colocar no sinal do satélite todos os canais locais em cada uma das regiões. Além disso, o Brasil já tem TV digital, garantindo som e imagem de qualidade. “-É só pegar o outro controle remoto e sintonizar os outros canais locais por outra antena”, dizem as operadoras. Mas esse stress de trocar de controle remoto é maior do que parece. Quem garante – sem falar nada – são as próprias operadoras, que fazem questão de ter a Globo no line up via satélite. É zapeando no controle predileto que vão encontrar tanto a Globo como os canais da operadora.

A Anatel, que fiscaliza a tal lei, apresentou uma proposta conciliatória (não chega a ser uma exceção): a caixa do DTH – ou set-top box – seria híbrida, com capacidade para sintonizar tanto o satélite como a TV digital terrestre, que sempre traz toda a programação local. As operadoras não concordam! Mandaram exércitos de advogados, daqueles de língua bem afiada, pra proferir todos os palavrões “lex” contra a Anatel. Alguns arriscam o exercício informal da medicina empresarial, diagnosticando problemas para a saúde das operadoras. Contas mal feitas ou comparações com os negócios do mercadinho da esquina, dão um tom trágico aos prognósticos. Um terror “fake”.

EXCEÇÕES DAS MAIS ENGAJADAS

Cada um já tem a exceção preferida para a Lei do SeAC. Parte das grandes operadoras defende que a caixa híbrida seja uma opção do usuário, pela qual ele deverá pagar. Aqui, a palavra de ordem é o “direito à livre escolha”. Já as pequenas operadoras querem que a regra da caixa híbrida valha apenas para as grandes operadoras, cada uma que tiver mais de 5% do mercado nacional. Palavra de ordem, no caso, é “bolsa caixinha” ou qualquer outro papo de “excluído”.

A questão é que a hegemonia da Globo acaba gerando distorções na regra. E isso não é culpa da emissora. O hábito de assistir ao canal líder da TV aberta brasileira não deixa alternativa para qualquer TV paga que não carregue o sinal global. As operadoras pagam para ter o sinal da Globo em cada região. Com as outras emissoras locais é o inverso, a maior parte teria que pagar para entrar no line up de uma TV por assinatura. Porém, se a obrigatoriedade de carregamento for decretada, daí cada uma dessas emissoras locais se verá no direito de cobrar, como faz a Globo local. Com a caixa híbrida, que coloca no mesmo controle remoto o sinal terrestre, as operadoras menores talvez até arriscariam não pagar para ter o sinal da Globo no line up do satélite. Quem quiser que acesse pelo sinal terrestre.

Num cenário desses, parece que ninguém tem vontade de ser o juiz. Mas a caixa híbrida parece ser a única maneira de atender minimamente a lei e os interesses das operadoras. Acontece que isso custa e, num país onde exceções contaminam tanto as regras, é claro que ninguém vai pôr a mão no bolso enquanto não esgotar os estoques de esperteza, de valentia e de muita cara de pau. Vai que…

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