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UM LABORATÓRIO SUSPEITO DE BOAS INTENÇÕES

Não se tem notícia de algum craque de futebol que tenha sido feito “em laboratório”. O melhor treinamento que possa existir, a mais competente orientação, a maior boa vontade, podem produzir no máximo um jogador de série A. Pra ser um craque “fora de série” tem que ter nascido com a parte principal pronta: o talento.

Essa exigência da natureza se repete em todas as áreas. Alguns “experimentos” estão mostrando que a regra vale até para grandes empresas. Depende de pessoas talentosas e determinadas que se esforcem, meçam riscos, empreendam, tudo com total disposição de aprender. Se o grupo de gestores tiver a competência para gerar a suficiente sinergia, terá surgido uma grande empresa.

A Oi, gigante das telecomunicações, deveria ser um player brasileiro no mercado internacional. Tornou-se a empresa privada do Brasil com a maior dívida. Só perde para a estatal Petrobras, cujo monopólio e salvaguardas oficiais permitiram chegar à maior dívida do mundo. O paradigma de negócios é o mesmo, baseado em planos muito ambiciosos, com o caixa liberado pelo governo.

Um caso que parece ter chegado a bom termo é a J&F. Mas é um grupo de frigoríficos, um tipo de negócio que existe há séculos. Mesmo assim, não dá para negar que houve competência na gerência do negócio, ainda que maculada por práticas ilegais.

Num segmento tão competitivo como o de telefonia móvel, totalmente dependente de alta tecnologia, a trajetória traçada para a Oi não poderia chegar a outro resultado. Prejuízo recorde no balanço e, maior ainda, na soma de milhões de clientes prejudicados pelos maus serviços que afetaram seus negócios e vida pessoal.

No próximo mês de outubro os credores da empresa, reunidos em duas assembleias, vão analisar o plano de recuperação judicial da Oi. As expectativas não são boas. Comenta-se que os sócios, que receberam tanto dos cofres públicos, estariam reticentes em colocar do próprio bolso nesta hora difícil. Isso sem contar outros entraves jurídicos pelo caminho.

HÁBITOS NÃO RECOMENDÁVEIS

Quando se fala nos “experimentos empresariais” do Governo só se ouve “bilhões”. No caso da Oi não é diferente. A maior credora é a própria Anatel, a agência reguladora, também do Governo Federal. A Oi reconhece uma dívida de cerca de R$ 11 bilhões com a Anatel. Mas a agência fala em mais de R$ 20 bilhões.

O mais curioso é que, pelas leis brasileiras, dívidas com o poder público não podem ser incluídas no mesmo bolo de credores, em planos de recuperação judicial. Porém, na semana passada, a Justiça do Rio de Janeiro, em segunda instância, garantiu a inclusão da dívida com a Anatel no plano de recuperação. Foi a confirmação de uma decisão que já tinha sido anunciada em primeiro grau. Pelo tempo que falta será muito difícil mudar essa regra numa instância superior do Judiciário, em Brasília. E o dinheiro devido ao erário vai ser negociado na base do encolhe valor e estica o prazo.

A propósito, por quê será que a Oi tem uma dívida tão grande com a Anatel? Em boa parte por excesso de esperteza. Vende e não entrega, combina e não comparece, promete mas não cumpre. Uma realidade na grande maioria dos serviços de tecnologia aqui no Brasil, que teve na Oi mais uma deplorável primeira colocação. Esse padrão de relação comercial, na base do quem pode mais chora menos, é um dos grandes passivos históricos na imagem das empresas brasileiras lá fora.

Se o objetivo é ganhar o mercado internacional, o melhor caminho deve ser investir seriamente em credibilidade. A Justiça em países do chamado Primeiro Mundo não costuma ser tão benevolente como os tribunais brasileiros. Tanto que uma subsidiária da Oi na Holanda já foi encerrada judicialmente por operações ilegais.

As empresas internacionais que atuam no mesmo segmento aqui no Brasil parecem já ter incorporado o modus operandi padrão camelô. Estrangeiros que utilizam serviços das mesmas empresas em outros países, muitas vezes se declaram surpresos com o que veem por aqui. Sabe-se lá os termos que foram impostos pelos agentes públicos para as concessões. Se seguiram o padrão de empreiteiras e outras grandes empresas beneficiadas pelo BNDES, é bem provável que, em breve, saibamos pelos jornais. As suspeitas não são infundadas. Pelo Congresso que temos, a recente tentativa de aprovação urgente e silenciosa de uma série de medidas para beneficiar as teles, coloca as barbas de molho.

TOME TENTO, SENHORA OPERADORA

Mesmo com tantas dificuldades parece que a Oi ainda não aprendeu. Também na semana passada o Ministério Público Federal, do Rio de Janeiro, acionou a Oi Móvel por cobrança indevida no serviço 3G. E, desta vez, a empresa vai ter que provar a própria incompetência para não se declarar desonesta.

Na contabilidade do tráfego de dados a operadora usa uma base decimal, algo inexistente numa tecnologia integralmente baseada na lógica binária. Assim, a cada 1000 kilobytes de tráfego a Oi lança a cobrança de 1 megabyte. Essa referência só serve como comparação didática uma vez que, na base binária, 1 megabyte é igual a 1024 kilobytes. Será que nenhum engenheiro da casa sabe disso?

A falha é tão escandalosa que o MPF incluiu até a Anatel na ação. O órgão regulador também tem papel na fiscalização e não poderia deixar passar um erro tão gritante.

Os procuradores federais do Rio de Janeiro querem que a Oi seja condenada a restituir em dobro os valores pagos a mais pelos usuários, além do pagamento de danos morais individuais e coletivos. A reivindicação é em favor de usuários da Oi Móvel em todo o Brasil. Para a Anatel o MPF pede como condenação a fiscalização da contabilidade do tráfego de dados móveis da Oi e pagamento indenizatório por dano difuso. Olha aí a Anatel do mesmo lado da Oi!

Mesmo com todas essas mazelas é evidente que uma eventual falência da Oi tende a representar um grande prejuízo para o país. Não apenas por ser a maior operadora de telecomunicações do país, ou por ser uma empresa nacional. Mas principalmente pelo vazio que vai ser gerado no setor. Por enquanto, o entrevero é mais uma prova de que agentes públicos, quando interferem diretamente na gestão privada, dificilmente estão com boas intenções.

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