sexta-feira, 12 de junho de 2020
A “cepa” político-ideológica do coronavírus tem se firmado como a mais resistente, e a que mais se expande mundo afora. Por conta dessa variedade metafórica, que não faz vítimas fatais, entraram em pauta assuntos meramente especulativos, irrelevantes. Por exemplo, a nacionalidade do vírus, eventual paternidade, interesses que representa e outras divagações conspiratórias. Balançou seriamente a Organização Mundial da Saúde (OMC), inverteu posições em circuitos eleitorais mundo afora e desalojou ministros.
Entre bobagens e casuísmos em torno do “vírus coronalítico”, no entanto, um tema deve merecer uma abordagem séria e longeva. É o que trata do tamanho do estado na sociedade humana. A polêmica é boa. De um lado o que se observa é que sobrou apenas o estado para socorrer a imensa maioria da população e até a saúde econômica. Do outro, se considerar a incompetência da ação estatal e os custos exorbitantes dessas trapalhadas, a eficiência da iniciativa privada vai mover a balança.
Sob essas duas perspectivas o Brasil vai oferecer uma enorme gama de exemplos. Desde os aspiradores de propinas que a Polícia Federal está desmontando, até o rigoroso distanciamento social adotado por empresas sucessoras de processos de privatizações. É o caso das teles, as empresas de telefonia e outras operadoras do sistema de telecomunicações. Até agora elas só aceitaram a posição de vítimas da pandemia. Recusaram terminantemente tolerância com inadimplentes, neste período em que muitas pessoas são obrigadas a trabalharem de casa, via Internet. Parte dessas pessoas não tem qualquer vínculo empregatício, outras estão empregadas na base dos 30%, para assegurar o lugar nas respectivas contratantes.
Esses argumentos levaram outras empresas de infraestrutura, como as fornecedoras de energia e de água encanada, a oferecerem pelo menos 3 meses de tolerância para atrasos nas contas. Em nenhum caso se falou em gratuidade, desconto ou qualquer outro benefício a fundo perdido. O que se propôs foi tolerância a atrasos, que continuam sendo devidos integralmente. Mas as teles disseram que isso representaria riscos até de insolvência.
O tamanho do estado é um tema fortemente presente nessa análise. As empresas de energia e as de tratamento de água, quando não são estatais puras, pelo menos são bem próximas do empreendedorismo governamental. Caso das distribuidoras de energia, muitas privatizadas porém, compram a geração de estatais. Já as teles são totalmente privadas e operam num ecossistema totalmente privado.
Elas não têm o bônus do erário em seu favor. Só que sim. De acordo com o Idec – Instituto de Defesa do Consumidor, as teles foram socorridas pelo governo. A Medida Provisória 952/2020 passou para o final de agosto o recolhimento de impostos como Fistel, Condecine e CFPR, aliviando o caixa das privadas, as empresas. O Idec, enquanto entidade independente sem fins lucrativos, entende que esse alívio garantido pelo governo deveria ser repassado na outra ponta, para os consumidores com dificuldades financeiras.
Se o dinheiro do estado não chegou ao consumidor de serviços de telecomunicações, a qualidade também não foi entregue a contento. A Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações, que regulamenta o setor, viu as reclamações crescerem em média 35% no período da pandemia. Fato que surpreendeu a Agência, pois avalia como bons os serviços prestados pelas empresas que ela fiscaliza. A Anatel está em vias de substituir os métodos de fiscalização, que deixariam de ser punitivos para serem responsivos. Nas palavras do presidente da agência, as operadoras devem passar a serem “estimuladas” a aprimorarem seus serviços, ao invés de serem multadas.
É impressionante o carinho que o Governo Federal dispensa às empresas que arremataram seus ativos. A elas, que entraram no negócio para privatizar investimentos públicos, por vezes também é dado dinheiro do governo para investir. No caso das teles, cerca de R$ 100 bilhões da antiga Telebrás, entre redes físicas, imóveis e até espaço no espectro eletromagnético (para transmissões sem fio), lhes foram doados pelo Governo. São bens que não faziam parte dos editais dos leilões, por isso não entraram no preço pago pela martelada. Mesmo assim, ganharam agora, segundo o Governo e o Congresso, sob o compromisso de investir.
Com o que se viu na Petrobrás nos últimos anos, é certo que as privatizações precisaram acontecer. Mas a forma como o Governo administra essas relações com empresas prestadoras de serviços públicos, definitivamente ainda não convenceu. Independentemente do plano ideológico de origem, governos brasileiros têm conseguido estragar serviços públicos. Tanto os que ele presta diretamente, como os que repassa para empresas privadas.
ARQUIVO DE POSTAGENS