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QUANDO A REALIDADE FICA SÓ NA SENSAÇÃO

Há vida inteligente longe das telas digitais? Sim, mas deve ser uma vida bem diferente a dessas pessoas. Telas prestam serviços importantíssimos com uma eficiência surpreendente. Agregam cada vez mais tecnologia para aprimorar imagens, produzir novos efeitos, responder a toques, a palavras.

Se algum dia acreditaram que o mundo iria acabar em papel, hoje é mais fácil se convencer de que o planeta vai mergulhar em telas digitais. Elas nos absorvem, absorvem …

“Produzem” novos lugares na realidade virtual, estendem o espaço, podem tanger a retina por meio de óculos especiais. São capazes de abduzir as pessoas para dentro delas. Onde se transformam em jogadores de futebol, de basquete, corredores de automóvel, skatistas, pilotos de aviões, soldados, bandidos. Sonhos e pesadelos em vigília.

Com tanto poder assim as telas digitais inspiram cuidados. Falam dos riscos das telas. Mas carros também representam riscos, assim como remédios. E o dinheiro, nem se fala. Parece que quanto mais útil, maior o risco pelo uso inadvertido. No caso particular de telas e crianças o problema está se revelando grave. Muito grave.

O psiquiatra e psicanalista Nilson Sibemberg, em reportagem publicada pelo portal Lunetas, enfatizou os riscos para o grupo de zero a três anos, mais especificamente nos primeiros 1.000 dias de vida. “Até os dois anos acontece boa parte da aquisição de conhecimento pelos sentidos e é quando as crianças vão ganhando consciência do próprio corpo, construindo subjetividade a partir da relação com o outro.” O portal Lunetas é ligado ao Instituto Alana para a vivencia plena da infância. O neurologista pediátrico Eduardo Jorge Custódio da Silva explica que a produção e conexão dos neurotransmissores vai sendo modelada na medida em que os estímulos, dos cinco sentidos físicos, vão sendo experimentados pela criança. Daí a necessidade de perceber a sensação tátil de tocar vários materiais, que compõem formas tridimensionais, a importância de sentir a voz da mãe pronunciada no ambiente. Efeitos que as telas emulam numa superfície bidimensional, unicamente lisa. Isso vale para contraindicar peremptoriamente, pelo menos até os dois anos, tanto o celular para acalmar a criança como a tela do televisor. Embora essa última tenha um menor potencial de absorção da atenção.

Uma pesquisa realizada em 2019 nos Estados Unidos pela JAMA Pediatrics focou a “Associação entre o tempo de exibição e as crianças”. Ao acompanhar 2.441 mães e respectivos filhos, nas faixas de 24 meses, 36 meses e 60 meses constatou-se que, naquele grupo, o tempo médio de exposição às telas era de 2 horas e 19 minutos por dia. Ao final da pesquisa foi possível concluir que, quanto maior o tempo de exposição às telas, pior o desempenho cognitivo.

É diante dessa realidade que o grupo de saúde Lenstore, do Reino Unido, apurou que o Brasil é o terceiro país do mundo, quando se avalia o tempo que as crianças passam diante de telas. O estudo, divulgado pelo site Convergência Digital, foi feito durante o período da pandemia. Em segundo estão os Estados Unidos, onde menos da metade das crianças segue a regra de duas horas de tela ao máximo por dia (maiores de 5 anos). E em primeiro lugar vem os Emirados Árabes Unidos, com crianças com baixo nível de atividade física e uso médio da Internet acima de 7 horas por dia.

Esse “bronze” que o Brasil conquista num outro ranking nada agradável traz muita preocupação, ainda que nem se fale de conteúdo tóxico da Internet, riscos de fraudes usando a ingenuidade infantil, prejuízos para o sono, irritabilidade e outros males que as telas entregam. E como as telas têm o poder de fascinar as crianças, não há que se pensar em dosar o tempo de uso nos primeiros mil dias de vida. Simplesmente não podem se aproximar. Nem como distração naquela hora em que a criança precisa ficar quietinha. O risco é de prejuízo para o desenvolvimento neuromotor, a aprendizagem e a própria constituição psíquica de si. E se você acha um martírio não ter como usar algo tão eficiente para manter a criança quietinha, prepare-se. Mesmo quando chegar o momento de expor seu filho às telas, a mediação dos pais é indispensável. Quer dizer, o papel dos pais na vida digital dos filhos vai longe. Ou ainda, ter filhos nos dias atuais é uma tarefa bem mais exigente do que fazem parecer.

Defender as crianças dos riscos que as telas trazem é mais uma ocupação séria dos pais na atualidade. Sob pena de sofrerem sérios prejuízos sobre os altos investimentos que fazem em seus filhos. E tenham certeza de que esses pais não serão poupados pelas próprias telas que, cada vez mais, divulgam esse risco presente em algo tão útil a partir da juventude.

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