sexta-feira, 08 de outubro de 2021
O mundo iria acabar quando o céu caísse sobre nossas cabeças. Mais tarde, lá pelas probabilidades científicas, a guerra nuclear liderava o ranking do fim. Depois veio o aquecimento global, teve ainda o soluço místico de 21/12/2012, baseado no calendário Maia. Eis que agora, tão mística quanto científica, a ameaça apocalíptica está nas redes sociais.
O alerta soa algo como “o Instagram come criancinhas”. Exige-se algum humor na discussão para atenuar a situação insólita: culpar Mark Zuckerberg neste caso é tão difícil quanto defendê-lo. Consta que equipes de pesquisas internas apuraram que certas ferramentas do Instagram poderiam viciar ou deprimir adolescentes. Teriam descoberto ainda que o conglomerado das três plataformas – Instagram, Facebook e WhatsApp – com base em outras pesquisas internas, soube de outros riscos presentes nas próprias redes sociais. E mesmo assim manteve as tais situações de risco por serem lucrativas.
O que merece muita atenção é o fato de que o mundo tem se lançado a muitas experiências em larga escala ou inéditas. Por si só isso carrega uma razoável dose de riscos. Quando os tripulantes da Apollo 11 voltaram da primeira visita à Lua ficaram isolados alguns dias em quarentena. Sabe por que? Porque ninguém sabe! Nunca antes um humano havia pisado em outro solo que não fosse da Terra. Não havia um risco objetivo, mas é o princípio da precaução. Vai que…
O aumento da escala em uma situação qualquer também traz alterações. A lmaior torcida é um fator de favoritismo para um time. Multidões são mais difíceis de serem conduzidas, independentemente da quantidade de pessoas e recursos utilizados para conte-las. As chances de um acidente acontecer com um carro conduzido por alguém muito jovem, aumentam na medida em que tiver mais pessoas da mesma faixa etária no mesmo carro. Em alguns países, como nos Estados Unidos, o governo não permite que uma única emissora de TV concentre a audiência numa escala muito superior às outras. Pois bem, o Facebook tem 2,8 bilhões de pessoas conectadas. É mais do que todas as pessoas do mundo que se dizem cristãs, de qualquer denominação, entre católicos e protestantes. Há um risco nesse gigantismo. E o risco é maior do que o dos egressos da Lua.
Fora isso há uma série de dilemas morais também inéditos. De acordo com as denúncias do Wall Street Journal, baseadas em depoimentos de Frances Haugen, ex-funcionária do Facebook, a direção da plataforma só pensa em lucro. E, em nome desses lucros, estaria excessivamente tolerante com provocações e fake news, estimulando a polarização entre grupos políticos. A ação viciante ou depressiva sobre adolescentes seguiria a mesma lógica. Segundo ela, para Zuckerberg o lucro seria o dado mais relevante que qualquer outra implicação.
Não se trata de justificar abusos. Mas nesse nosso mundo capitalista, faz tempo que se sabe “da força da grana que ergue e destrói coisas belas”. Isso vai mudar? Então significa que Zuckerberg será apenas o primeiro, e não o único. Será mesmo? O mundo hoje está sofrendo impacto de preços porque o cartel do petróleo decidiu que quer o preço do barril acima de US$ 80,00. O petróleo está sobrando, não há escassez. Será que os produtores estão pensando apenas nos lucros, ou estão pensando no meio ambiente ou qualquer outro valor verde que não seja o dólar?
A busca incessante pelo lucro é um dado objetivo há muito tempo. O mesmo não se pode dizer a respeito de pesquisas sobre o comportamento humano. Seria ótimo que os resultados dessas pesquisas sempre fossem revertidos em ações de precaução. Porém, estamos muito longe disso acontecer. Os videogames de lutas, por exemplo. Todos sabem que eles não resultam em mais violência entre jovens. Não? Todos sabem que filmes de guerra, filmes de ação com muito sangue, armas e agressividade, não aumentam a violência urbana. Não mesmo? Tem certeza?? Se essa “subjetividade” serve até hoje como desculpa, enquanto a violência cresce nas telas e nas ruas, fica difícil culpar o Instagram pela depressão. Ou o Facebook pelos governos tiranos. O que dizer das propagandas de bebidas alcoólicas ou de cigarros?
Não se trata de defender um caminho – do lucro a qualquer custo – que historicamente tem se confirmado nocivo. Mas sim, de não ver vantagem em pôr uma cabeça a prêmio apenas como um símbolo do maior equilíbrio social. Não, esse sonho exige muito mais. O lucro tem sido um dos motores da sociedade moderna, assim como o lucro-a-qualquer-custo tem sido a overdose que mantém o atraso. Hipocrisias fazem com que o meio ambiente seja a principal causa do planeta, ao mesmo tempo que as agressões sofridas pela Terra só aumentam. Se já houvessem sido criadas defesas contra o lucro excessivo, as redes sociais não seriam a ameaça que, de fato, passam a representar. Se é pra agir, que se faça em toda a extensão do problema.
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