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NEUTRALIDADE DA REDE E SOBERANIA

Quantos chuveiros tem na sua casa? E ar condicionado, também tem? Dependendo do seu padrão de conforto, mais robusta tem que ser a rede elétrica. Alguns padrões para sua escolha, com respectivos preços, e estamos conversados.

A quebra do princípio da “neutralidade da rede” entre provedores de Internet passa por este modelo. As empresas de telecomunicações, que dão acesso à Internet, pelo princípio da neutralidade não podem cobrar mais por determinados conteúdos.

Um caso clássico foi o Netflix. Chegaram a ser cobrados valores a mais, alegando que o tráfego de filmes entupia a rede e não rendia nada para as operadoras. Com a “neutralidade”, as cobranças extras acabaram. Foi durante o governo Obama.

Trump voltou tudo como era antigamente. Mas isso não deve constituir um problema, como muitos alardeiam.

Em recente artigo o Jornalista Samuel Possebon posiciona a questão no ponto exato de observação ao microscópio. E descreve, dentre os contornos, o relevo comercial que se visualiza com destaque. Além de muito pertinente, essa ótica é acessível a quase todo mundo, pois qualquer consumidor entende as regras básicas de mercado.

Historicamente as atividades relacionadas ao tráfego de conteúdos surgiram da iniciativa privada. Foi assim que os jornais se espalharam pelo mundo, passando por cima de limites de logística e até orçamentários, para surpreender os leitores todas as manhãs, com as notícias do dia anterior. O modelo de negócio evoluiu, a propaganda foi pagando uma parte cada vez maior da conta, de forma que rádio e TV já nasceram abertos, sem assinatura. Esses caras da mídia aprenderam muito lidando com os consumidores em geral.

Eis que adiaram o fim do mundo e a rede apocalíptica perde a finalidade original. Foi pra rua e se anunciou à plebe com o nome de Internet, vocação pacificadora, científica, compartilhável e aberta. Não deu outra, virou a super mídia, ou mais, a meta mídia, a comunicação entre toda natureza de comunicação que a sociedade pratica. Da fofoca ao diagnóstico médico, do varejo aos grandes investimentos, do jornal à realidade aumentada, cabe tudo e sobra espaço.

Será que, agora, em meio a tantos atores poderosos, serão os provedores de acesso que vão confinar todo esse planeta virtual? Poderão tentar, como os turcos otomanos tentaram, ao fechar a passagem por Constantinopla. Mas não vão conseguir. Neste novo mundo, o caminho de Vasco da Gama é tão rápido quanto a rota do mediterrâneo. E o grande imperativo, como nos tempos de Vasco da Gama, há de ser o interesse comercial em questão.

IGUALDADE À BRASILEIRA

A quebra da neutralidade nem chegou aqui no Brasil, mas já virou pauta ideológica, tema de campanhas: “-É certeza que as teles brasileiras vão querer a mesma coisa”, advertem os arautos da defesa popular. E vão tentar mesmo. Como todos os sindicatos aumentaram os preços de seus serviços, depois que a contribuição compulsória foi extinta. Mais ainda, no mercado, o hábito é criar maneiras de ganhar em cima do sucesso do outro, “meter a colher” em cada prato cheio que estiver ao alcance. Não é ético, mas continua ligado no automático.

Por aqui, o Marco Civil da Internet, além de outras leis específicas, são estruturas mais robustas do que as “portarias” americanas que sustentavam a neutralidade por lá. E isso é necessário, pois se trata de uma infraestrutura global, com perfil colaborativo, e que se tornou indispensável no modelo de sociedade atual. Em nenhum espaço físico do mundo existem tão variadas e abundantes informações sobre tantas pessoas.

Porém, tudo isso ainda é muito novo. Legislar sobre essas questões é um exercício importante, mas as salvaguardas criadas sempre vão ser frágeis. Regimes fortes, como da Arábia Saudita e da China, tentam limitar a Internet ou até proibir. Do lado inverso do mercado, procuram argumentos diferentes, com o mesmo objetivo de domar a Rede. Por dólares ou por consciências, todos querem o domínio do espaço cibernético. Mas nada indica que esse esforço se sustente ao longo do tempo. A Primavera Árabe é só um dos capítulos da história que demonstra essa impossibilidade.

Por isso tudo, as leis dos mais diversos estados nunca vão determinar limites para a Internet. Nem os segmentos tecnológicos, que fazem essa infraestrutura toda funcionar, são capazes de para-la. Pois ninguém sabe quando vai pular um outro “WhatsApp” ou um substituto do Facebook de uma cartola, dessas que cobrem cérebros criativos. As possibilidades são infinitas e podem mudar, em alguns meses, hábitos universalizados no uso da rede. As eventuais tentativas de limitação tendem a capitular diante da necessidade de uma Internet cada vez mais entranhada e aceita pela sociedade.

 PENSE BEM! PENSE MELHOR.

O fim da neutralidade, proposta dentro do governo Trump, ainda não se justificou sob nenhum aspecto. A despeito dos argumentos, foi mais uma tentativa de obscurecer Barack Obama, que bancou a neutralidade para oferecer mais garantias ao cidadão comum que acessa a Internet.

No momento, o grande risco da rede não parece estar na forma como os usuários a acessam. Mas nos rastros que todos somos obrigados a deixar quando passamos por ali. E, nesse particular, não haverá norma legal capaz de controlar a ameaça. A única defesa possível está na capacidade tecnológica, esta mesma que vemos negligenciada no Brasil por questões orçamentárias.

O SGDC, o satélite com capacidade de cobertura de todo o território nacional, é uma salvaguarda muito mais efetiva para o internauta brasileiro do que qualquer lei. Levou ao espaço alguns bilhões de reais e, daqui da Terra, não desfrutamos de muito do que ele faz lá nas alturas. Porque não houve competência administrativa nem investimento para implantar toda a infraestrutura de recepção.

A redução do orçamento federal para a Ciência e Tecnologia em 2018 vai obrigar várias pesquisas a serem paralisadas, inclusive na área de Telecomunicações. Estudantes e professores de Tecnologia da Informação estão se sentido obrigados a procurar espaço de atuação em outros países, uma vez que o governo está cortando verbas para bolsas e equipamentos.

Limitações de conhecimento não vão ser compensadas por qualquer lei que seja apresentada a um algoritmo. Afinal, trata-se de um código matemático. Só pode ser superado por outra estrutura lógica, mais precisa e eficiente. É assim que, nos dias de hoje, se neutraliza a soberania de um povo, de uma nação.

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