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GRANDES NEGÓCIOS E OS NOVOS TEMPOS

Toda operação do tipo compra ou venda é um bom negócio. O que demora para saber é se foi o comprador ou o vendedor quem ficou com o melhor lado do negócio. O número em si, o valor em que é fechado, pode ser apenas um detalhe. Muitos outros valores aparecem (ou desaparecem) com o tempo.

Em 1867, quando o Czar Alexandre II decidiu “privatizar” o Alaska, vendendo o território como se fosse uma grande fazenda de gelo, tudo era muito diferente. O Império Russo era amigo dos americanos, ao contrário do que passou a ser 50 anos mais tarde, no domínio bolchevique. A ameaça expansionista vinha da Inglaterra, dona de uma poderosa marinha de guerra. E que já tinha sob seu domínio boa parte do Canadá, vizinho dos americanos e do Alaska. Os russos temiam perder o território para a Coroa Britânica sem nada em troca. Foi esse raciocínio estratégico que moveu também o interesse dos Estados Unidos. Ninguém imaginava os recursos naturais que seriam encontrados mais tarde lá.

Hoje o Alaska é o maior estado americano em extensão, grande produtor de petróleo, tem quase um milhão de habitantes e um PIB anual quatrocentas vezes maior do que foi pago para o Czar. Naquela época, quem poderia supor que inventariam aviões militares, radares, mísseis? Tinha pela frente ainda uma revolução proletária, que tornaria a Rússia a principal ameaça para os Estados Unidos e vice-versa. Por conta disso o interesse estratégico naquela terra continua superior a todas as riquezas produzidas ali. A compra do que era um enorme território isolado e coberto de gelo, hoje é considerada um dos mais bem-sucedidos negócios da história.

No Brasil recente, sucessivos governos têm promovido privatizações. São empresas estatais entregues ao mercado, à gestão privada, à lógica do lucro. Em alguns casos o sucesso é evidente. Em outros, nem tanto. O que parece ser pouco considerado nessas transações é justamente o valor estratégico agregado a muitos desses negócios. É o que salta aos olhos no caso das empresas de informática do governo federal, a Serpro e o Dataprev.

Elas não são territórios nem riquezas naturais. Mas são a localização, a quantidade, a natureza de cada um dos bens do país, quanto rendem, quanto empregam, o que compram, o nome de cada proprietário, quanto tem na conta de cada um deles, quanto está na sua conta e muito mais. Se tudo isso até agora esteve nas mãos do governo – destinatário natural dessas informações – mudar depois de tanto tempo parece uma imprudência. Nas mãos de uma empresa privada os funcionários que trabalham com esses dados veem e vão. A vulnerabilidade dos sistemas aumenta, porque eles concentram cada vez mais informações.

Claro que tem um jeito de preservar o sigilo desses dados. Mas, nas mãos de uma empresa privada, esse jeito tem que caber no orçamento. Se, estando por aqui mesmo, esse risco já é algo muito sério, o que dizer de internacionaliza-lo? Acima das conjeturas, o fato é que a privatização das duas estatais ficou para o próximo governo. Que pode ser o mesmo, porém, com outro Congresso, outro contexto político. Por enquanto o argumento é de que estão sendo feitos estudos técnicos sobre a desestatização. A previsão é de que o controle dessas empresas estará acessível ao mercado no primeiro trimestre de 2023. Leia-se “leilão”. Ora, mas já se sabe o que os estudos técnicos vão concluir sobre a desestatização dessas empresas em particular?

No Brasil o tema empresas estatais é algo que não entra em um debate técnico. De um lado corporações classistas só pensam em manter um emprego efetivo. De outro, burocratas só pensam em fazer caixa para o governo que representam. E declaram ser impossível uma gestão competente nessas empresas. Talvez a questão seja cultural. Qualquer empresa, estatal ou não, exige transparência para uma boa gestão. E essa exigência não combina com as regras atuais da política. Vai que a moda pega, podem pensar em levar a transparência para todas as instâncias e níveis de governo. Para muitos, melhor nem pensar.

Nos casos específicos de empresas como Serpro e Dataprev, altamente estratégicas, as restrições são intransponíveis. Em recente audiência no Congresso, o Procurador da República, Alexandre Assunção e Silva, foi taxativo: é contra a lei. Para ele, a privatização dessas empresas fere a Lei de Segurança Nacional e a Lei Geral de Proteção de dados. “-Nos Estados Unidos o setor privado atende muito bem o governo”, dirão alguns. Mas o país ocupa uma posição absolutamente singular. É a nação mais rica do mundo, a maior potencia bélica do planeta, a democracia mais antiga e o maior mercado consumidor. E ainda contam com o FBI, a CIA e a NSA. Não convém tentar espertezas. Se pensar em vender uma fazenda de gelo para eles, que se torne um bom negócio.

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