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MUNDOS E FUNDOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

“-Não tem dinheiro pra nada.” A frase mais pronunciada por políticos – depois de reeleitos, é claro – nas três esferas de governo, convive inexplicavelmente com um problema peculiar da administração pública brasileira: o que fazer com o dinheiro? Quer dizer, com sobras de dinheiro, de taxas e contribuições.

Na semana passada ficou decidido que, o R$ 1,4 bilhão que sobrou das compensações pela troca de banda da TV Digital, vão ser utilizados para construção de uma rede de fibra óptica para a Amazônia, integrando a Região Norte. Um mundo diferente em relação ao resto do Brasil, onde as condições de vida são muito diferentes. As compensações passaram pela distribuição gratuita dos conversores domésticos, para sinal da TV digital, às famílias de baixa renda. Outros investimentos voltados para a TV digital também saíram dessas compensações. E ainda ficou essa sobra. Outra verba foi destravada nesta semana com a aprovação, pelo Senado, do uso de recursos do FUST – Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações. Reles R$ 22 bilhões que estão perdidos em algum cofre da União. Lembrando que, no caso das sobras da TV Digital, a coisa ainda pode mudar em alguma reunião da Anatel ou até emperrar por mais tempo no Judiciário.

O FUST foi criado em 1998, na privatização da telefonia. O sistema Telebrás estava baseado numa lógica distributiva. Parte do que era pago nas contas de telefones das regiões mais ricas do país, servia para construção da infraestrutura de telefonia em regiões mais pobres. Com a privatização isso teria que acabar. O FUST ficou com esse papel. Ele incide sobre as contas telefônicas e é destinado à “universalização dos serviços de telecomunicações”. Na época, isso significava investir em infraestrutura para telefones fixos. Ninguém imaginava que, em tão pouco tempo, telefones fixos se tornassem quase inúteis. Além disso, pela lógica legal adotada, não dava para concluir que banda larga fosse um “serviço de telecomunicações”. E assim, ao longo desses anos todos, foram investidos 0,00002% dos mais de R$ 22 bilhões arrecadados.

Situações como essas descrevem com clareza o que é a falta de gestão e de competência na administração pública brasileira. Talvez por isso tanta gente esteja protestando contra a ideia de democracia. Erroneamente, entendem que é a democracia que provoca tais situações. Quando, o mais evidente, é que os representantes do povo (“demo”), usam do poder do qual estão investidos, para defender interesses de grupos específicos, e não do povo. Grupos que praticam algo como uma “grilagem tributária”. A exemplo daqueles que invadem terras devolutas, na tentativa de se tornarem donos delas.

Voltando aos fundos profundos da contabilidade pública, o dinheiro do FUST vai ficar nas mãos de um “comitê gestor”. E deverá ser direcionado, basicamente, para ampliar o serviço de banda larga em áreas rurais, as mais isoladas, ou mesmo nas periferias urbanas, “com baixo Índice de Desenvolvimento Humano – IDH”. Detalhe: esses serviços de telecomunicações poderão ser “prestados em regime público ou privado”. Na prática, vai ampliar a base de faturamento das empresas de telefonia. Isso não seria um problema se tantos outros recursos públicos não estivessem direcionados para custear investimentos das teles.

O bilhão e meio (quase), aquele da TV Digital, que vai construir redes na Amazônia, também vai virar fonte de receita para as quatro – Vivo, Oi, Claro e Tim – que, em breve, devem dividir a Oi entre as outras três. Antes disso, a obra vai desafiar mais severamente a idoneidade da administração pública brasileira. Se tantas coisas acontecem diante dos nossos olhos, o que não acontecerá na imensidão da selva, nas sombras da maior floresta do planeta?

Por fim, é importante avaliar a compatibilidade de uma obra dessas. Os rumos que se projetam para a Amazônia são outros. A Região Norte do país, onde está inserida a porção brasileira da Amazônia, tem uma população em torno de 16 milhões de habitantes. É menos do que a Grande São Paulo. Áreas maiores de que nações europeias estão demarcadas como terras indígenas, com baixa densidade populacional. Não seria mais sensato prover Internet através de satélite, com sinal direcionado para pontos onde o crescimento populacional, a industrialização ou mesmo empreendimentos agropecuários, são desejáveis?

Se é que esse backbone da Amazônia vai ficar pronto algum dia, como se espera que ele seja utilizado? Como a operação dessa infraestrutura será viabilizada? Haverá um adensamento populacional, espalhado por aquele imenso território, e grandes empresas funcionando ali?

Nos tempos atuais, o impacto ambiental de qualquer obra de infraestrutura precisa ser observado previamente. O Brasil tem extensas áreas destinadas a serviços ambientais, extrativismo planejado e proteção permanente. Vários estudos indicam que essas terras, sem esse tipo de manejo, tendem à savanização e degradação. A “inteligência ambiental” é um quesito importante para qualquer gestor, em qualquer tipo de empreendimento nos dias atuais. O mundo já é outro.

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