sexta-feira, 13 de março de 2020
Se você ouve alguém comentar que as empresas de telefonia conquistaram, no ano passado, mais uma vez, o “campeonato” brasileiro de reclamações do Procon, possivelmente não vai se surpreender. Se ouvir que, em segundo lugar, continuam os bancos, normal. Mas se contarem para você que as empresas campeãs estão propondo uma solução, o susto deve ser grande. Porque a solução proposta é a auto-regulação. As empresas estão propondo que elas mesmas tomem conta delas mesmas.
A proposta estava sendo discutida há dois anos e foi oficialmente apresentada na última quarta-feira. Agora, que é oficial, a nova entidade começa a elaborar o Código de Conduta de Atendimento, que deverá trazer as regras de bom atendimento a todo cliente que procurar uma operadora. Esse código deve ficar pronto em 2 meses. Em três meses deve ficar pronto outro código, o de Conduta de Cobranças e em 4 meses o Código de Ofertas deve ser apresentado. São os aspectos considerados críticos nos quadros de reclamações.
A estrutura do Sistema de Auto-regulação das Telecomunicações (SART) vai reunir instâncias do governo e da sociedade civil, além das operadoras. Figuram como fundadoras as empresas Vivo, Claro/Nextel, Oi, TIM, Algar, Sercomtel e Sky e tem como proposta estabelecer normas e procedimentos comuns. Os fundadores da nova entidade garantem que qualquer operadora pode se associar ao sistema, inclusive as pequenas. Para tanto, já estariam em contato com representantes da NEO, que reúne provedores de Internet. Está prevista a criação de uma diretoria, comitês, grupos de trabalho e conselhos, tendo como principal instância o Conselho de Auto-regulação. Dos 15 membros desse conselho, somente 5 serão “conselheiros independentes”, mas todos vão ser escolhidos somente pelas empresas participantes. Isso não deixa qualquer impressão de que haverá algo de democrático na formação da entidade.
De acordo com o site Teletime o SART está inspirado em uma experiência anterior de auto-regulação, que é o sistema da Febraban. Isso mesmo, a entidade que representam as empresas vice-campeãs nacionais de reclamação, ou seja, os bancos. Pelos argumentos que circularam ao longo desses anos de preparação do SART, não parece que o novo sistema tem grandes chances de dar um padrão de qualidade no atendimento das operadoras. Ao falar sobre a iniciativa, o diretor José Bicalho, do SindiTelebrasil – o sindicato patronal das operadoras – disse que, entre as vantagens do sistema, está a possibilidade de “criar regras efetivamente necessárias e adequadas à realidade operacional…”, ao invés de apenas “cumprir uma obrigação que pode ser desproporcional e sem sentido”. Com o número de reclamações e diante da experiência que as pessoas em geral têm junto às operadoras de telefonia (também chamadas de “teles”), não parece que punições sejam desproporcionais ou sem sentido.
Em ocasiões anteriores as operadoras protestaram contra métodos de apuração de satisfação dos clientes por parte da Anatel. À época, disseram que a forma correta de proceder essa operação seria a contratação, pelas próprias operadoras, de empresas especializadas. A partir do relatório contratado, as operadoras reportariam à Anatel o que foi apurado.
Dentro dessa lógica, cabem comparações com outras situações vivenciadas no cotidiano. Por exemplo, considerando que esportistas fazem parte do grupo de pessoas que sabem competir, por que não excluir os árbitros de futebol no Campeonato Brasileiro? Árbitro de vídeo para quê? Os times decidiriam ali mesmo e todos os jogadores iriam agir como fez o zagueiro Rodrigo Caio. Então jogador do São Paulo Futebol Clube, num lance perigoso foi ao juiz assumir a culpa por um contato com o goleiro. O árbitro já tinha dado um cartão amarelo para o artilheiro do time adversário – o Corinthians – o que excluiria o jogador do último jogo da final.
Difícil acreditar que as coisas aconteçam assim entre as empresas de telefonia. Principalmente levando-se em conta o histórico dessa relação com os clientes no Brasil. Quando a Oi entrou com pedido de recuperação judicial tinha uma dívida de R$ 68 bilhões. Era o equivalente ao terceiro maior orçamento estadual daquele ano no Brasil. A intervenção, que faz parte do contrato das concessionárias – caso da Oi – não aconteceu. Só em dívidas de multas, por má prestação de serviços, eram R$ 20 bilhões em atraso.
Agora, que Oi está para ser fatiada, só se fala numa divisão entre as outras três grandes operadoras nacionais Tim, Claro e Vivo. Essa última, do grupo espanhol Telefônica, no final do ano passado encerrou as operações em todos os países da América Latina, à exceção do Brasil. Um claro sinal de que aqui os negócios vão bem. Se a prestação desses serviços é tão interessante assim, por que não abrir o mercado para outras grandes operadoras internacionais, que poderiam entrar na vaga da Oi? Aumentaria a desejável concorrência. Ao que parece, o bolo bilionário das telecomunicações no Brasil vai continuar a ser dividido entre as empresas de sempre.
ARQUIVO DE POSTAGENS