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MUITA CONFIANÇA, POUCA FIRMEZA

O goleiro estava tão tranquilo naquele jogo que o atacante adversário parou um pouco ali na área e até pediu um gole de água:”- Ôpa, a garrafinha tá aqui, fique a vontade.” O jogo estava todo do outro lado do campo. Naquela condição, se um lançamento chegasse, o atacante estaria impedido. Mas a bola saiu de campo e, na cobrança de lateral, a lei do impedimento não vale. Eis que o atacante devolve a garrafinha pro goleiro, recebe a cobrança do lateral e “pimba”. A bola foi parar perto da garrafinha, lá dentro da rede. O fato é real. Lance polêmico, decretou a crônica esportiva. Só que nenhum jornalista questionou a legalidade da jogada. O goleiro, que só pensou em ser bom jogador, esqueceu de prestar atenção na lei.

Se no futebol as coisas são assim, o que dizer de gambiarras tributárias? É um outro tipo de “jogo”, onde ninguém precisa ser bom de bola, mas não se pode descuidar da lei. Por isso, quando órgãos oficiais tomam um drible no campo da legalidade, a gente acha tudo muito polêmico. Será que são tão ingênuos assim?

O caso tem a ver com a reformulação da chamada Lei da SeAC, que regula os Serviços de Comunicação Social de Acesso Condicionado, principalmente as TVs por assinatura. Um acordo meio estranho foi feito. O valor do Fistel, recolhido pelas operadoras de telefonia (as “teles”) foi reduzido, e uma alíquota de Condecine – contribuição que mantem a Ancine – foi criada no mesmo valor. Dava na mesma, só que o recolhimento era feito a dois cofres diferentes. Foi aí que as teles “pediram a garrafinha de água”. Elas tinham interesse na vigência da nova lei, que abria a elas o direito de operar TVs por assinatura, como já se vê na praça. Durante algum tempo ficou tudo bem. Só por um tempo, porque a confusão tributária agora pode zerar o orçamento da Ancine, entidade federal que financia a produção de cinema no Brasil.

JOGANDO LIMPO OU ENTREGANDO O JOGO?

O bote também não foi à toa. No final do ano passado a alíquota da Condecine foi “reajustada” em 28,5%, quase o triplo da inflação oficial. As teles não gostaram e daí já questionaram a legalidade da taxa toda. Ora, o juiz Itagiba Catta Preta Neto, da 4ª Vara Federal da Justiça de Brasília, não teve muita dúvida e já concedeu liminar ao SindiTelebrasil, que representa as empresas. O Juiz reconheceu que as operadoras móveis, que pagam o grosso da contribuição, pouco ou nada se beneficiam da produção audiovisual. Portanto, elas não deveriam paga-la. Afinal, a criação de qualquer imposto tem que seguir o que diz na Constituição, considerando o “fato gerador” e muitos outros princípios. Não é por conta de um acordo entre partes que se inventa impostos.

Esse argumento as teles já tem no “bico da chuteira” há anos. Foi assim que ganharam outra liminar na Justiça, contra a Contribuição para a Radiodifusão Pública – CRP, que mantém a EBC, a emissora de TV educativa gerida pelo Governo Federal. A contribuição foi criada no mesmo modelo da Condecine: tira um pouquinho do Fistel e passa para a CRP. Por enquanto o caso está parado na liminar, as teles estão depositando a taxa em juízo há anos. Se ganharem na sentença final esse placar vai estourar. Elas pedem, adicionalmente, até a devolução de tudo que já pagaram a título de CRP. Um olé de quase R$ 3 bilhões.

Por outro lado, não dá pra ver anjos nessa história. Se o Governo já tomou um nas costas no caso da CRP, por que insistiu na mesma “linha burra” para garantir a Condecine? A única certeza, por enquanto, é que o Fistel ficou bem mais barato para as teles. Para se ter uma ideia, em 2014 as teles recolheram mais de R$ 700 milhões de Condecine, o que representou 90% da receita da Ancine. A entidade agora reclama da ação na Justiça, mas também não deixa claro porque pediu aumento de 28,5%, se apenas um terço da verba que arrecadou está alocado em ações de apoio ao audiovisual. Mais uma vez, cadê os anjos!?

LEVANDO 3 GANHA UM BÔNUS

Já que as teles entendem tanto de impostos, por que não agir em favor da finalidade tributária? O propósito original dos fundos de telecomunicações (Fistel e Fust) é aplicar em programas de inclusão digital ou em políticas de universalização de serviços de telecomunicações. É a área de negócio delas. A popularização da tecnologia Ginga pode propiciar esses benefícios, principalmente a partir das aplicações interativas voltadas para a população de baixa renda. No entanto, o que se vê é as teles “fazendo beiço” a cada vez que se fala no Ginga, o software brasileiro que transforma os set-top boxes (conversores digitais) na mais poderosa ferramenta de inclusão digital em massa para um país como o Brasil.

Depois do leilão da faixa adicional para a Internet móvel as teles assumiram, como compensação, apoiar as famílias de baixa renda a acessarem a TV digital. Um investimento que passa de R$ 3 bilhões. Nesse caso não tem nada a ver com imposto, foi um compromisso assumido no edital do leilão, que passou a incluir a popularização do Ginga. Porém, agora reclamam dos custos que essa obrigação pode representar por causa da alta do dólar.

Maior contradição que essa só a “doação” de mais de R$ 100 milhões que o governo acaba de conceder às teles. O Ministério das Comunicações autorizou o adiamento, por um ano, do pagamento do valor que as teles teriam que depositar até o final de janeiro para a compensação assumida no leilão. O valor é de R$ 1,1 bilhão, que não terá qualquer acréscimo ou correção pelo adiamento. Na inflação que estamos vivendo, no mínimo R$ 100 milhões vão parar no fundo da rede, bem ao lado da garrafinha de água.

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