sexta-feira, 31 de março de 2017
“-Meu Deus, essa coisa fala!” A frase marca historicamente a estupefação imperial, quando D. Pedro II falou pela primeira vez ao telefone. Falar, se comunicar, a ação mais básica da sociedade humana estava ganhando dimensões globais. No caso do telefone, o plus era a privacidade, os conteúdos tinham interesse restrito.
O telefone chegou a ser utilizado para a divulgação de conteúdos de interesse geral. No Brasil veio antes da chatice do telemarketing. Surgiu um número para a hora certa oficial, depois da previsão do tempo, condições de estradas e até entretenimento, como piadas do Ary Toledo. Um disque sexo trazia gravações com vozes femininas em clímax de prazer. Houve até um número multiusuário, para conversar simultaneamente com todos ligados naquele número. Se ainda existem ou não, são sinais de que o humano explora cada nova possibilidade de comunicação para amplia-la, nunca a usa apenas para melhorar o que já fazia.
C-o-n-t-e-ú-d-o. Esta é a palavra. Para falar, para ver, para arrepiar os cabelos de toda a descendência real e muito mais. Parece óbvio, mas não era. No começo deste mês John Stankey, CEO da AT&T Entertainment (palavra difícil de se ver ao lado da poderosa sigla AT&T) afirmou que “por muitos anos medimos a qualidade dos nossos serviços pela velocidade de instalação, número de chamadas interrompidas, mas esses indicadores não dizem nada.” Ele estava falando da importância do conteúdo.
A AT&T, uma das gigantes das telecomunicações, já encampou a DirecTV e a Time Warner e não deve parar por aí. Stankey explicou a estratégia de aquisições como uma forma de “partir de uma posição de relevância e escala“ no segmento, ao invés de começar do zero.
O que isso deve significar para os produtores de conteúdo só o tempo vai dizer. Entre os profissionais que estão no ramo parece que a grande maioria ainda não se deu conta da realidade.
CESTEIRO QUE FAZ UM CESTO, FAZ UM CENTO
Em quase todas as formações profissionais nesses tempos o foco é muito limitado. Um jornalista, por exemplo, aprende técnicas de comunicação escrita, oral e presencial para transmitir informações jornalísticas. Aprende a apurar fatos, analisa discursos, observa, pra depois colocar tudo numa notícia. E se ele tiver que contar as coisas de uma forma diferente, se não for por meio de notícia? Essa é uma pergunta que dá trabalho. Primeiro para responder, depois dá trabalho com carteira assinada.
Os grandes veículos de mídia, principalmente impressa, enxugaram muito seus quadros. Ah, foi culpa da Internet. Quem sabe a gente não realoca essa mão de obra especializada em sites de notícias? A pergunta que ainda quer calar é “por que não em sites de outros tipos de conteúdo, não apenas noticioso?” Pode ser ficcional, de humor, de uma série de outras coisas que exigem habilidades de comunicação. Em outros formatos, porém.
O mesmo vale para ilustradores, publicitários, musicistas, designers, arquitetos, professores, engenheiros, médicos,… opa, nesses últimos já inverteu o apelo. Profissionais que dominam conteúdos específicos também têm prósperas oportunidades na Internet, mesmo sem as técnicas de comunicação. Basta se associar aos bons de conversa ou procurar desenvolver essa habilidade tão intrinsicamente humana.
Aplicativos do tipo Globo Play ou EiTV Play já estão rendendo milhões de moedas de todos os tipos com a venda de conteúdos. Tanto por obras artísticas como por difusão de conhecimentos de bons profissionais que produzem vídeos do próprio celular. Eles podem ser vistos em qualquer lugar do mundo, pelo público em geral ou por pessoas que adquiriram esses conteúdos pelas plataformas audiovisuais.
Como enfatiza o próprio John Stankey, o “conteúdo é o que impulsiona o uso da rede. O que move as pessoas não é a quantidade de Gs da rede (3G, 4G, 5G) ou Gbps, ou a tecnologia que utilizamos, mas sim a conexão emocional que elas estabelecem com os conteúdos.”
A HORA E A VEZ
No momento, tudo parece conspirar em favor de quem produz conteúdo. O mais novo aliado aqui no Brasil é ninguém menos que o STJ, o Superior Tribunal de Justiça. Em decisão pronunciada dia desses ficou estabelecido que as emissoras afiliadas de TV também devem pagar direitos autorais sobre a programação retransmitida da rede da qual fazem parte.
A situação surgiu de uma cobrança de direitos autorais por parte do Ecad – Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, contra a emissora do estado do Espírito Santo afiliada da Rede Bandeirantes. Houve contestação da cobrança mas o relator do caso, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, tomou como base o artigo 31 da Lei 9.610/98, segundo o qual “as diversas modalidades de utilização da obra artística são independentes entre si”.
Embora a decisão esteja relacionada apenas a emissoras de TV é evidente o status que a produção de conteúdo está conseguindo. Não pela benevolência difusa, mas pelo valor que tais conteúdos representam objetivamente para poderosos círculos empresariais.
Ainda pelas palavras do CEO da AT&T, a maior ou menor qualidade das conexões, neste momento, é o que menos importa para os novos modelos de negócios das teles. “O que importa é a relevância que elas dão aos nossos produtos, e hoje somos cada vez menos relevantes”.
Estaríamos confirmando o alerta que começamos a ouvir logo nas primeiras lições da alfabetização. Não devemos julgar um livro pela capa. Precisamos, sim, estar atentos ao conteúdo. Só assim vamos dar qualidade às nossas horas de leitura.
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