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MÁQUINAS, APLICATIVOS E O ALGORITMO DO PODER

Território é, historicamente, uma forte referência de poder. Tem a ver com a própria espécie humana. Mais do que isso, tem a ver com a lógica da natureza, desde os animais que demarcam seus limites até as espécies vegetais, que concorrem para prevalecer no espaço físico.

A única coisa que se atreveu a subverter essa regra foi a Internet. Com um discurso cosmopolita, adornado pelo ideal das liberdades individuais, ela carregou tentações até onde nunca outra mídia tivera chegado. “É o futuro”, disseram os intelectuais, os artistas e os políticos tidos como democratas, também os liberais. E assim ela foi se instalando, sem bandeiras ou governos, nos mais longínquos territórios. Para o bem e para o mal.

O fato é que, no inconsciente coletivo, a Internet tem um “dono”. Não porque Donald Trump, ao assumir o governo americano, tenha tomado medidas autocráticas contra os novos modelos de governança da rede. Nem porque a NSA bisbilhotou a vida pensante do planeta. E sim porque, mais do que qualquer outra nação, os Estados Unidos lançaram mão de todos seus conhecimentos para investir na Internet. Desde o desenvolvimento de hardware, de software, até os detalhes ergonômicos, fisiológicos, físicos, passando pelas técnicas de gestão, marketing e muito mais.

O Pentium não poderia ter surgido na América do Sul ou na África. Mas poderia ser desenhado na Europa ou no Japão, onde há capital suficiente e tradição em pesquisa. Por que ninguém inventou antes o smartphone ou o notebook? Já os grandes softwares, como Google, e principalmente Facebook, poderiam ser brasileiros. Nem que fossem vendidos mais tarde. Mas, todos eles, nasceram em laboratórios americanos, quando não em garagens.

Sabe o que mais!? Tá tudo bem, logo esses gadgets chegam em todo lugar, baratinhos, então ninguém se mexe, deixa rolar. Ou não se mexia, até que a China decidiu protagonizar, concorrer, enfrentar. No 5G já chegou na frente. E já está sentindo a mão pesada que defende a primazia americana. Ainda bem que, até agora, nenhuma falta pra cartão. O jogo ficou mais pegado e, mesmo num clima tenso, a bola continua rolando.

RECONQUISTANDO TERRITÓRIOS

Tem algumas tramas que a história insiste em repetir. Aquela da mão muito apertada, por exemplo: o conteúdo sempre escapa entre os dedos.

Obama sentiu o desgaste da imagem do país por causa do escândalo da NSA. Habilmente, apresentou como prova de boa vontade a agenda para se chegar a uma governança igualmente compartilhada sobre a Internet. Veio Trump e inverteu, insistiu no estilo cowboy, fechou mais a mão para manter o domínio. O resultado é que a Internet está sentindo a pressão dos movimentos “separatistas”, que já tinham começado oficialmente em 2010. Foi quando uma delegação de países esteve nas Nações Unidas pedindo que se estabelecessem fronteiras na Internet, a exemplo do que acontece com sistemas de telefonia.

Tem sempre um componente cômico nesses scripts. Por exemplo, o sofisma da liberdade de expressão e do livre mercado, debatendo com o paralogismo da soberania e da autonomia das nações. Rússia e China estão construindo suas próprias “internets”, em princípio, sem conexões com a rede tradicional. Alegam que os governos estariam “perdendo a mão” para os algoritmos e que costumes e tradições dos povos precisam ser preservados. Para quem bem conhece czares e mandarins sabe que a preocupação é cerrar ao máximo ouvidos, olhos e bocas de seus próprios concidadãos. E claro, uma reserva de mercado, de imediato, traz dinheiro, além do maior controle.

Tecnicamente a separação nem é tão difícil. Normalmente os cabos e terminais, por onde trafega o sinal de Internet, traçam poucos pontos de conexão de cada país com a rede externa. Basta o governo determinar e o sinal não passa mais por ali, o país fica quase contra a tradicional Internet, como ela é.

Daí aquele povo, que estaria sendo acossado pelas influências prejudiciais de uma rede sem dono, passa a ser acuado por outra rede, cujo “dono” tem plenos poderes, pelas instituições ou intuições, para controlar a vida das pessoas. São os tais governos fortes, cuja liderança se torna dispensável, por conta da firme autoridade.

O risco desse tipo de situação está principalmente na drástica redução de conteúdos científicos, jornalísticos, culturais e de entretenimento, esvaziando em muito, para aquele povo, a visão de mundo e de sociedade. As ferramentas colaborativas, que agregam tantas vantagens à Internet, são colocadas sob suspeita e afastadas daquelas populações. A rede vai ficando sem graça e o público vai deixando de lado o planeta virtual, que passa a ser um território enfadonho e cansativo.

TRIBUTOS REAIS SOBRE OS NEGÓCIOS VIRTUAIS

Em outros países, onde a lógica capitalista já está bem disseminada, a estratégia em relação à Internet está dominada pela visão de mercado, de empreendimento. E sendo assim, na base do “pagando bem, que mal tem?”, os países tendem a criar tributações sobre os principais canais do dinheiro que irriga os negócios conectados. A França está dando o primeiro passo nesse sentido e outros países próximos já estão convencidos de seus direitos sobre os lucros gerados virtualmente a partir de seus consumidores.

Neste mês o senado francês aprovou o novo imposto, que o presidente Emanuel Macron não conseguiu levar para todo o bloco europeu. Mas, parece uma questão de tempo. A nova lei francesa prevê que, uma vez aprovada uma tributação do gênero para toda a União Europeia, o tributo exclusivo deixará de ser recolhido, evitando o que seria uma redundância tributária. Enquanto isso, Reino Unido, Itália, Espanha, dentre outros países do bloco, estariam estudando seus impostos similares.

A estratégia das grandes empresas da Internet tem sido a instalação de suas sedes em países que cobram impostos mais baixos, como a Irlanda. É de lá que elas faturam muito sobre as nações mais ricas da Europa, principalmente em propaganda e venda de dados de usuários. Autoridades da Comissão Europeia estimam que, dessa forma, as grandes empresas da Internet paguem cerca de 8% a 9% do que faturam por lá, enquanto as demais recolhem cerca de 23%.

O novo imposto francês tem um perfil definido para tributar. Estão sujeitas a ele empresas que faturam acima de 750 milhões de euros pelo mundo, sendo que 25 milhões de euros venham da França. O critério inédito faz incidir uma alhíquota de 3%, principalmente sobre as grandes americanas, o que valeu o apelido de GAFA ao tributo: um acrônimo de Google, Amazon, Facebook e Apple.

Aos olhos de Robert Lighthizer, representante americano do Comércio na União Europeia, o novo imposto apresenta um direcionamento sobre as grandes empresas americanas de tecnologia, por isso pode ser alvo de retaliações. A França reage alegando soberania sobre suas questões fiscais e sugere mais diálogo no lugar das ameaças.

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