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UM NOME QUE É QUASE UMA SINA

Era quase carnaval quando nasceu o Instituto Ginga. O fato mereceria manchetes de jornais, embora a grande maioria da população pensaria antes que se tratava de uma federação de sambistas. Mas não, Ginga é o software 100% nacional que se tornou a única tecnologia produzida pelo Brasil adotada como padrão mundial. O anúncio foi feito em 2008 pela UIT, a União Internacional de Telecomunicações, Agência especializada da ONU para tecnologias de informação e comunicação. Mas por que um Instituto Ginga? E justo na semana do carnaval deste 2016?

A iniciativa, que reúne pesquisadores de 20 laboratórios de mídia digital pelo Brasil, é mais uma “gingada” da Tecnologia Brasileira na tentativa de fazer com que o Ginga não seja simplesmente jogado fora. Sim, gingada, para tentar escapar de ataques disfarçados, das dificuldades impostas pela grande indústria de tecnologia. Num país como o Brasil, o Ginga permite que muitos serviços públicos e privados cheguem a qualquer lugar, usando simplesmente uma TV. Contribui para a inclusão digital, para a distribuição de conteúdo audiovisual de interesse público, tudo gratuitamente. E permite também a criação ilimitada de aplicativos de interesse empresarial. Para a grande indústria, seria melhor que as pessoas e os governos comprassem tablets, smartphones ou mesmo computadores para realizar essas funções, que o Ginga disponibiliza pela TV. Para entender melhor, convém conhecer a rica e breve história dessa criação brasileira.

O QUE É E DE ONDE VEIO

O Ginga é um software do tipo “middleware” ou, mais especificamente, uma camada de software intermediária, que pode ser acrescentada num sistema. Para entender o que um programa desses faz, lembre o caso das smart TVs. Se um desenvolvedor fizer um aplicativo para uma smart TV de determinada marca, ele só funciona naquela TV. Não vai rodar em smart TVs de outras marcas.

Os set-top boxes (ou conversores digitais) também são sistemas fechados, produzidos por vários fabricantes diferentes. Todas as tarefas executadas internamente seguem a programação do respectivo fabricante. Para um aplicativo rodar num determinado set-top box, em princípio, seria necessário escrever o aplicativo naquele padrão daquela marca, que adotou determinada arquitetura e componentes. Assim, todas as emissoras teriam de enviar os conteúdos interativos também no mesmo padrão. Ou seja, teria de ser escolhido um único modelo de set-top box para todo o Brasil e para quase todos os países da América do Sul, que usam o SBTVD. O Ginga supera essa limitação. Ele permite que qualquer aplicativo escrito em Java ou em NCL-Lua funcione em qualquer tipo de set-top box, de qualquer fabricante. O middleware, pra dizer de uma maneira que todo brasileiro entende, faz um “meio de campo”.

O Ginga foi criado numa parceria entre a PUC-Rio e o Lavid, da Universidade Federal da Paraíba. O trabalho foi liderado pelo Prof. Luiz Fernando Soares, da PUC-Rio, que faleceu prematuramente no ano passado. Ele é considerado o “pai” do Ginga e, quando batizou o middleware escolheu esse nome justamente numa alusão à capacidade do brasileiro de fazer as coisas acontecerem, mesmo diante de dificuldades. Ele queria que o Ginga transformasse um set-top box num verdadeiro terminal digital, contando apenas com um sinal de radiodifusão e uma tela de TV. E a equipe dele conseguiu! É o que atesta a UIT.

O Ginga é um software livre, que roda sobre o Linux. A implementação mais completa atualmente é o Ginga C, sobre o qual foi desenvolvido o Brasil 4D. É um conjunto de aplicativos que a EBC, a emissora pública nacional, criou para rodar sobre o Ginga C, capaz de levar cursos profissionalizantes gratuitos, em vídeo, nos mais distantes rincões do país. Permite a consulta de vagas de emprego, por região, profissão, qualificação, etc. Tudo atualizado a qualquer momento. São tantas as possibilidades que a TV se torna até um equipamento de inclusão digital. Está aí, tudo pronto, já testado em cidades brasileiras, tudo de graça.

MAIS UM PASSO NESSE COMPASSO

Promover o Ginga não é criar inimigos. É simplesmente reconhecer que qualquer espaço no mercado é sempre muito concorrido. Isso torna natural que as grandes corporações de tecnologia tentem avançar no espaço do Ginga. Elas vão atualizar seus produtos, sempre em escala global, com a experiência que dá mais segurança aos setores atendidos. Por isso, quem tem o papel de promover o Ginga são os governos. O atual Governo Federal já demonstrou que está fazendo isso.

No ano passado o então Ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, conseguiu viabilizar set-top boxes com Ginga C para 14 milhões de lares atendidos pelo Bolsa Família. É uma compensação, da mesma forma que está acontecendo em todos os países que implantam a tecnologia de TV digital. Ele conseguiu ainda que as operadoras de celulares, por conta de outra compensação devida, assumissem os custos dos set-top boxes. Só que agora os interesses adversários começam a atrapalhar esses planos, antes da entrega dos aparelhos para as famílias.

O Instituto Ginga surge para isso. Para fazer valer, aqui no berço, tudo que o Ginga provou internacionalmente. A primeira reunião vai ser no dia 19 de fevereiro. Espera-se que a posição seja clara e expressa em favor do Ginga C, a versão mais avançada, que vai poder fazer frente à concorrência. O projeto de cidadania via Ginga já está pronto, é o Brasil 4D. Falta agora o Instituto promover o desenvolvimento de aplicativos com alternativas empresariais. Do outro lado, é necessário encontrar uma fórmula para incentivar o comércio de set-top boxes com Ginga C, para que esses aplicativos sejam executáveis em qualquer televisor, e não apenas entre os atendidos pelo Bolsa Família. O Ginga C não é um desafio ufanista. Ele tem que ser encarado como um produto de sucesso, que depende de ser aceito pela sua base de infraestrutura, ou seja, as emissoras de TV. Só mais uma gingada oficial nessa apoteose pode garantir a alegria por muitos carnavais.

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