BLOG

AS MARCAS DO TEMPO E AS PREVISÕES PARA O FUTURO

Um móvel do tamanho de uma cômoda porém, um pouco mais baixo. Não tem gavetas, apenas duas portas que se abrem como num guarda roupas. Madeira de lei envernizada, lay out dos anos 60. O que deve ter ali dentro? Não serviria apenas para sustentar aquele belo vaso de cristal. Em outro ponto da sala, um gramofone. Trompa dourada, reluzente, peça belíssima. Na parede do outro lado um carrilhão, tic tac sóbrio, tocado por um pêndulo de metal trabalhado.

Aquela decoração sofisticada mostrava o quanto um toque retrô valoriza um ambiente de luxo. A estética do bom gosto nunca perde a majestade, conversa com desenvoltura com a beleza de qualquer tempo. O anfitrião explicou que aquele móvel do vaso de cristal era da TV. Não tinha a antena interna. Ele fez questão de abrir para mostrar a imponente Telefunken, com a maior tela da época –  26 polegadas. À direita, um pouco mais acima, uma 4K de 100 polegadas situava aquela sala no tempo. Só exibia imagens de belas obras de arte e animações artísticas. Na outra sala, de TV, tinha uma igual, que funciona normalmente, para aquilo que foi fabricada.

Um técnico do IBGE que entrasse naquela casa não teria dúvida para classificar o nível social dos moradores. Há mais de 50 anos o Instituto visita domicílios, escolhidos por amostragens, dentre outros motivos, para inferir o padrão de vida a partir dos equipamentos da casa. Um gramofone não diz nada sobre o conforto de quem mora hoje no Brasil. Um moedor de café com manivela também só alcança efeito decorativo. A vitrola de “alta fidelidade” já foi um equipamento de peso, não está mais na lista. Nem os gravadores de rolo, menos antigos, tampouco as pick ups toca discos acopladas a amplificador.

No mês de setembro de 2022 o IBGE decidiu cortar os Microsystems da lista da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD. Neste mês o Instituto divulgou que Microsystems e DVDs foram cortados também da PMS – Pesquisa Mensal de Serviços – e ainda home theaters, PCs tipo desktop, e outros. Além de novos equipamentos, também chegam novos serviços. Por exemplo, de streaming de filmes e músicas, soluções que utilizam Internet das Coisas (IoT) e infraestrutura para teletrabalho. De acordo com o site TeleSíntese os primeiros dados das pesquisas atualizadas vão ser divulgados em abril. Incluem também o uso de transporte por aplicativos, serviços de delivery e de armazenamento na nuvem. Flávio Magheli, do IBGE, afirmou que sem a atualização dessas cestas e desses pesos “… perdemos relevância dos indicadores, que passam a ser produzidos em bases defasadas”.

Aqueles que já têm memória bem abastecida podem refletir sobre o que está mudando de fato nas casas. Quem sabe os arquivos da PNAD, que o IBGE realiza desde 1967, apontem quando a curva de troca de equipamentos começou a subir mais rapidamente. Os clássicos fogão, geladeira, máquina de lavar roupas e televisor mudaram bastante, mas se mantêm. Outros mudaram muito pouco como o liquidificador, batedeira de bolo, aspirador de pó. E os que sumiram? Um dos equipamentos que desapareceu, mas foi muito utilizado, é a enceradeira. Outros até já existem há bastante tempo, mas nunca fizeram muito sucesso. Por exemplo, a lava louças.

Em termos de sofisticação, uma mudança de peso foi o forno de micro ondas. Foi dominando todas as casas, deu a impressão que mudaria toda a rotina da cozinha. Tanto que trouxe os freezers à tiracolo. Pouco depois foram os videocassetes, chegaram com tudo, mudaram muitos hábitos. Tiveram um upgrade com os DVDs, Blue Rays, mas a mudança mais efetiva que veio em seguida foi o PC desktop.

Os fornos de micro ondas, afinal, não mudaram tanto quanto prometeram. Acabaram encontrando um modesto papel de aquecedores rápidos e assim se mantêm até hoje. Alguma coisa semelhante ia acontecendo com os PCs… mas surgiu a Internet! No começo, uma chatice, coisa para nerds. Porém… (daqui pra frente não precisa falar mais nada. E nem convém, porque amanhã cedo já pode ter mudado muita coisa.)

Se, no passado, os serviços domiciliares ficavam por conta das empregadas domésticas, faxineiras e entregadores de pão, leite e jornal, hoje tudo caminha de maneira bem diferente. Entregas incluem de tudo, até a compra do supermercado. Mas pode ser um hambúrguer também. O jornal vem pela Internet, também streamings de filmes ou música. Aspiradores e outros aparelhos robotizados, integrados por IoT, já ameaçam as faxineiras. Até as pastas para o imposto de renda estão migrando para as nuvens. O teletrabalho trouxe a escrivaninha do escritório e por fim, o ChatGPT já anuncia que as previsões precisam ser completamente refeitas.

Parece que a vida vai mudar muito nas próximas décadas. Será que o IBGE também vai migrar para a nuvem, comandado por um sistema de inteligência artificial? Melhor pensar na pizza do próximo final de semana.

ARQUIVO DE POSTAGENS

Bitnami