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PREVISÕES, CERTEZAS E O FUTURO

O fim do mundo não foi no dia 21 de dezembro de 2012, como teriam previsto os Maias. Não foi pouco depois, como jurava uma vidente. E nem o velho Nostradamus está dando conta de agendar a apoteose de encerramento. Até a TV linear, muito mais simples de ter seu fim previsto, está longe de um palpite mais categorizado.

Em artigo publicado por Stuart Thomson na semana passada, no site DigitalTV.com, é apresentada uma série de dados interessantes sobre a TV paga no Reino Unido para, ao final, não concluir coisa alguma sobre um eventual switch off da TV linear: “Pode ser gradualmente ou de repente”. Tipo aquela fumaça que se lança para o céu, sem que ninguém consiga ver o fogo.

Previsões costumam ser inúteis. Aí estão as bolsas de valores que não nos deixam enganar. Séries históricas muito detalhadas, matemática aos montes, dados cada vez mais precisos sobre fundamentos, especialistas analisando 24×7 pelo mundo todo. E todo dia muita gente bem informada perde dinheiro.

Voltando à TV, parece mais inteligente pensar qual será o novo modelo de negócio para a TV aberta e para os canais por assinatura. Esse último deve ser mais difícil para conjeturar aqui, uma vez que envolve uma infraestrutura maior, um sistema de faturamento muito mais complicado, negociações constantes para garantir conteúdo. Além do fato do Brasil ser caso único no mundo no que diz respeito a esse tipo de negócio.

Mas a TV aberta tem muitas alternativas para uma reengenharia. E isso nem significa que só uma dessas alternativas será viável. Talvez alguns modelos possam conviver num novo ecossistema broadcast, dependendo apenas de uma adequação entre os vários perfis de empreendedores e os mercados onde cada um estará atuando.

Um ponto de partida, afortunadamente, vai servir para qualquer modelo de TV linear. São os “programas âncoras” ou sei lá como são denominados os grandes eventos esportivos e mega shows, cuja transmissão ao vivo depende da TV. E que o público das poltronas não abre mão de assistir. Esse público vai procurar, pelo menos nessas ocasiões, as redes de TV.

OS NÚMEROS DA DISPUTA

O artigo de Stuart Thomson está baseado em dados recentes divulgados em relatório do Ofcom, uma espécie de Anatel no Reino Unido. Ele tenta mostrar que está perto o momento em que a TV linear, essa tradicional, que tem uma programação semanal com horários fixos, vai perder o primeiro lugar na preferência do público que consome vídeo. O domínio passaria a ser dos serviços OTT (ou streaming), como Netflix, comerciamente denominados “não-linear”, pois não seguem uma ordem de programação.

De fato, o Ofcom constatou oficialmente que, pela primeira vez no Reino Unido, os serviços tradicionais de TV ficaram atrás, em assinaturas, do Netflix, Amazon Prime Video e Now TV. Lembrando que, por lá, a TV linear aberta tem alcance bem menor. Outro sinal de alerta está na taxa de redução no uso da TV tradicional que, no ano passado, teve uma queda além da média.

O dado mais amplo mostra que noventa por cento dos ingleses assistem à TV tradicional pelo menos uma vez por semana. Porém, em 2017, a permanência média diária dessa audiência caiu 9 minutos, se comparada com o ano anterior. Um recorte mais detalhado é que está chamando a atenção. Mais da metade dessa audiência (51%) da TV tradicional é garantida pelo público com idade igual ou superior a 54 anos. E eles representam apenas 28% da população do Reino Unido. O público infantil é o que mais está mais distante da TV linear, embora na faixa de 16 a 24 anos de idade a queda também seja significativa.

A conclusão imediata, no artigo de Thomson, é de que o avanço das novas gerações vai naturalmente levar ao declínio da TV. Faz sentido, porém, não foi considerada a hipótese de que, com o aumento da idade, as pessoas passem a dar alguma preferência à TV tradicional, totalmente na base do ligue-e-desligue (do mundo), sem precisar procurar por algo num amplo menu de opções.

Que o uso da TV paga tradicional está caindo no mundo todo, não há dúvida. Pesquisa NPD mostra que, nos Estados Unidos, 17% dos consumidores de vídeo só utilizam serviços de streaming, ou seja, se desligaram totalmente das emissoras de TV. A questão é até onde esse declínio pode chegar. O que já é dado como certo por muitos é que vai haver um ponto de inflexão. As curvas de preferência vão se cruzar, ou seja, o consumo de vídeo vai passar a ser maior via streaming. O exagero está em prever simplesmente o fim da TV linear.

Em 2014, Reed Hastings, CEO do Netflix, comparou a TV linear aos cavalos que, com o tempo, foram substituídos pelos carros, em vista das claras vantagens. Os carros seriam, portanto, os serviços de streaming. Talvez valesse refletir sobre um outro referencial de transporte, a bicicleta, em relação ao automóvel. Em termos de tecnologia e sofisticação são incomparáveis. Mas isso não impede que a bicicleta, por outros critérios, tenha aumentado muito a presença em grandes cidades do mundo desenvolvido, nas últimas décadas.

O QUE É VERDADE, AFINAL?

Há pouco mais de 10 anos, justamente quando a TV linear aberta superou a carência de qualidade de imagem, com a transmissão digital, eram os empreendedores da TV paga que previam a falência da concorrente aberta. Depois veio o OTT e as emissoras de qualquer sinal, aberto ou fechado, é que estão na mira.

Em jogo, claro, está muito dinheiro. A TV linear paga é um negócio trilionário no mundo. E os serviços OTTs estão inventando conteúdos para tomar esses assinantes para eles. A convivência dos três modelos – incluindo a TV aberta – já se mostrou absolutamente viável. Mas, entre eles, nenhum dorme sossegado pensando no que o outro pode aprontar para amanhã.

A TV aberta, ao assimilar a tecnologia digital desde a transmissão, entrou numa espiral virtuosa de redução de custos. Os espaços para produção, como estúdios de vários tamanhos, também multiplicaram e apontam para maior racionalização dos investimentos de capital. Isso pode compensar, em parte, a queda no faturamento publicitário, que será inevitável.

Além disso, os aplicativos estão levando a TV aberta para outras telas, inclusive bem longe de suas áreas de cobertura. E agora, o NewGenTV, ou ATSC 3.0, já traz a possibilidade de implantação de um sistema híbrido RF/IP nas emissoras, reunindo todas as vantagens para telespectadores e anunciantes.

Porém, mesmo levando em conta todos esses fatos, qualquer previsão estará sujeita ao efeito inesperado da principal de todas as variáveis na atualidade: é a própria tecnologia que, num piscar de olhos, pode lançar algo disruptivo e mudar toda essa lógica.

Não é por isso que as previsões vão sumir. Fazem parte dos instintos humanos mais elementares. E tem o lado bom, de acionar importantes impulsos para a inovação. As previsões fazem o mundo menos aflitivo e até mais divertido. Mesmo sabendo que apenas uma ínfima parte delas talvez vá se tornar verdade e a grande maioria vai simplesmente desaparecer. Tudo bem, nem o futuro existe de fato. É apenas a previsão mais genérica entre todas.

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