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A TECNOLOGIA E A LÓGICA DAS LEIS

Leis escritas são sempre frágeis. Mesmo as da natureza, quando escritas, passam a ser vulneráveis. Elas são comprimidas pelos limites da visão humana, que tem pressa em transforma-las num enunciado. Assim o átomo foi indivisível por algum tempo, a luz se propagava somente em linha reta, agora é a Terra que pode se tornar plana. As falhas, sempre foram de quem escreveu.

A grande vantagem, nesses casos, é que a ciência conhece e pratica a humildade. Ela se testa e se desafia permanentemente. Muda, para progredir. Afinal, na natureza as coisas são, na ciência, apenas estão.

Tudo fica muito diferente quando os humanos resolvem criar leis para o “bem comum”. Obrigações que devem ser respeitadas por todos. Na verdade, quase todos. Um caso presente ilustra bem o choque entre esses dois planos da lei, as humanas e as da natureza. Para evitar a introdução de pragas na Agricultura uma série de normas, propostas internacionalmente, foram incorporadas pela legislação nacional. Uma delas é a Instrução Normativa 32, que pode ser alterada, como parte de um processo que está em consulta pública.

No caso específico da IN 32 o foco está no madeiramento de dentro dos contêineres, usados para sustentar embalagens de produtos importados ou exportados. Para eliminar as chances de pragas precisa de um tratamento desse madeiramento e posterior chancela, em cada peça de madeira – desde pallets até estacas – comprovando a sanidade. Na falta desses cuidados a carga pode ter de ser devolvida à origem, no Exterior. Os importadores admitem que é importante a proteção fitossanitária, mas dizem que não podem mais sofrer prejuízos. Como assim? O apelo deveria ser apresentado às pragas? “-Pega leve com a gente, dona Broca da Manga!” Eis o ridículo das leis dos homens quando querem regular a natureza.

Artigo de Edivaldo Bassani, no site Agro-em-Dia, informa que as culturas de alimentos são prejudicadas, em média, em 40% por causa de pragas. Prejuízo para todo o país. Em plena pandemia de Covid-19, como cogitar a redução de cuidados sanitários, na esperança de que nada vai acontecer?

No mundo digital as inconsistências são mais extremadas. Essas ferramentas, que a ciência garimpou na natureza, transformaram de tal forma a sociedade que os legisladores ficaram sem chão. Aos poucos tentam criar modelos diferentes, principalmente para poder tributar os novos negócios tecnológicos. Durante um tempo os provedores de Internet não pagaram impostos porque ninguém conseguia inventar um jeito de tributar a atividade, quase alienígena.

Um caso curioso, aqui no Brasil, acontece com as operadoras de TV por assinatura. Em 2011 elas foram enquadradas como Serviço de Acesso Condicionado – SeAC. A lei do SeAC foi criada para especificar esses serviços dentro do contexto das Telecomunicações. As operadoras de TV ficaram com obrigações diante da produção audiovisual nacional, tanto no pagamento de taxas como na exibição de títulos nacionais na programação. Pagam impostos estaduais – entre os mais caros – e precisam criar canais comunitários, universitários e outros de interesse público. À época, estavam entre os negócios altamente rentáveis.

Veio o Netflix e criou a modalidade OTT, na qual os conteúdos são enviados pela Internet. Não precisa construir redes. Os OTTs se tornaram fortes concorrentes das TVs por assinatura e ainda congestionaram o tráfego na Internet, outra atividade que as operadoras oferecem na mesma infraestrutura da TV. Foram classificados como SVA – Serviço de Valor Adicionado e por isso pagam apenas impostos municipais – bem mais em conta – e não têm qualquer obrigação diante da produção audiovisual brasileira. Uma alternativa tão atraente que o canal Fox plus resolveu colocar toda a grade de programação diária na Internet, virou um OTT. Ou seja, até os canais que fazem parte dos pacotes das operadoras de TV, passaram a ser concorrentes delas, via OTT.

O caso foi parar na justiça e já chegou ao Supremo Tribunal Federal. E os pareceres da Anatel, do Ministério da Inovação e das Comunicações e até da Presidência da República, são favoráveis ao OTT. O que parece ser a mesma coisa para quem olha pelo lado dos clientes, é bem diferente do que se vê do lado da geração. Afinal, o sinal de TVs por assinatura trafega por infraestruturas típicas das telecomunicações, como cabo ou satélite.

As operadoras de TV tentam contestar o fato técnico óbvio na justiça. Porém, o que elas querem mesmo é acabar com a assimetria tributária entre serviços SeAC e SVA. Agora a dúvida é se o governo vai aumentar as obrigações dos OTTs ou vai reduzir as obrigações dos contribuintes SeAC. O mais provável é que não faça nem um, nem outro. As operadoras têm que descobrir uma mágica capaz de sustentar esse tipo de negócio, tendo uma concorrência tão favorecida.

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