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TEMPO INSTÁVEL PARA A TV BRASILEIRA

“Na compra de um novo, garantia de três anos ou até 10 mil quilômetros”. Em menos de uma linha, um contrato claro no mercado de automóveis. Nem sempre é tão fácil assim. Quando uma condição não exclui claramente a outra fica na base do “tá escrito ali”, só que não, “porque antes tá escrito isso aqui”. É o que parece estar acontecendo no caso do “switch off” brasileiro, tecnicamente traduzido por “desligamento do sinal analógico de TV” ou ainda, “apagão”, para os íntimos.

As razões dessa confusão começam a ficar claras quando se entende os interesses em jogo. Por que é importante desligar o sinal analógico? Não dá pra deixar o sinal digital e o analógico no ar e cada um escolhe o que quiser? Não pode, porque seria um grande desperdício. A Internet, o crescimento das telecomunicações, dependem muito de espaço no chamado espectro eletromagnético. Esse espaço depende muito da melhor organização das frequências, o que acabou ficando nas mãos dos governos nacionais. No Brasil, determinadas faixas de frequência valem bilhões de reais, e o governo ganha muito dinheiro só pra organizar isso. Se o país já tem todas as emissoras digitalizadas, ao desligar a transmissão analógica essas frequências ficam disponíveis, e o Governo vende para outras empresas.

Outro grande interesse relacionado ao desligamento do sinal é a audiência. É exatamente o que as emissoras de TV vendem. Cada cidadão a mais no sofá, valoriza a propaganda da emissora que ele está assistindo. No modelo brasileiro, é a audiência que sustenta as empresas privadas encarregadas do serviço público do tipo televisão, concedido pelo Governo às emissoras. E já que falamos em serviço público, tem aí a obrigação do Governo de garantir esse serviço a toda a população.

O OVO OU A GALINHA?

Na portaria do Ministério das Comunicações, que obriga o desligamento do sinal analógico, vem escrito, no artigo primeiro que “…pelo menos, noventa e três por cento dos domicílios do município … estejam aptos à recepção da televisão digital terrestre.” Significa que em 93% dos lares de cada cidade tem que ter um televisor desses modelos novos ou um set-top box (conversor digital) conectado e funcionando. É uma condição que resguarda o direito do cidadão ter acesso à TV. Lá no final da portaria está o calendário para o desligamento, impondo a obrigação das emissoras liberarem a banda analógica do espectro, numa determinada data para cada região.

O senso comum leva a entender que, o que vem primeiro é o mais importante. No caso, a condição de pelo menos 93% dos moradores de cada cidade, para comprar um televisor novo ou um set-top box. Sem isso, o direito de acesso à TV não estará resguardado. Mas e a obrigação lá do final? Sim, as emissoras tem como dever desligar o sinal analógico na data prevista. E isso pode afetar a preciosa audiência, que paga o serviço e o lucro das emissoras.

Na prática, a perda dessa audiência é maior do que parece. Começa pelos 7%, que vão ficar sem TV quando os outros 93% dos lares já tiverem a recepção digital. Depois vem os aparelhos espalhados por algumas casas. Se a residência tem um novo na sala, que já veio digitalizado de fábrica, na pesquisa conta para a casa toda. Mas o aparelho do quarto do casal ainda é dos antigos, a crise está batendo na porta, melhor esperar pra ver se vai comprar um novo de uma vez, ou se paga menos por um conversor. No quarto do filho tem outro ponto de audiência, a TV antiga que ficou para o videogame, mas ele muitas vezes aproveita pra assistir à TV. Quando desligarem o sinal analógico, esses pontos de audiência somem. Lá na frente, o anunciante vai notar que a propaganda pela TV não deu mais tanto retorno como antes. Isso sem contar o medo das emissoras de que os 93% não sejam bem apurados pelo Governo, apressado em ter mais frequências de volta.

UMA COISA E OUTRA COISA

No começo deste mês, durante o Congresso da Abert, a associação dos radiodifusores, os empresários do setor juntaram todas as ansiedades e empacotaram num pedido de adiamento do apagão. Querem mais 4 anos de sinal analógico no ar. O pedido foi desembrulhado perante a Presidente Dilma e o Ministro das Comunicações, na abertura do Congresso, onde também estavam muitas outras autoridades do setor. A expectativa era de que alguma resposta viesse no último dia 22, na reunião ordinária do Gired, o grupo encarregado da transição do sinal de TV. Mas ninguém tocou no assunto.

O prazo de quatro anos, para as emissoras, é o suficiente para que a substituição dos televisores antigos aconteça espontaneamente. Ninguém espera que a crise dure tanto e nem os aparelhos dos anos 90. Daí a audiência entraria na onda digital sem nenhuma pressão. A proposta parece consistente, mas as emissoras, talvez por conta da ansiedade, acabam forçando alguns argumentos descabidos. Por exemplo, sobre a distribuição dos conversores para os atendidos pelo programa Bolsa Família. Trata-se de uma compensação que está na conta das teles, as empresas de telefonia móvel, que compraram antecipadamente algumas faixas que transmitiam sinais analógicos. Pode ser só pra aumentar a base de apoio, mas as emissoras propõem que as teles não gastem com os conversores do Bolsa Família nas cidades menores, onde tem frequências de sobra para muitas transmissões.

A TV digital é muito mais do que uma tela mais bonita. Agrega serviços inestimáveis, já prontos para atender a população carente, através do programa Brasil 4D, da EBC – Empresa Brasileira de Comunicação. Depois do acordo firmado com as teles em 2014, da formação do fundo de compensações, é um completo absurdo propor uma economia que seria lesiva até para a tecnologia nacional. Venha quando vier, a TV digital para todo o Brasil precisa ter a alternativa Ginga C, já definida pelo Gired como padrão mínimo garantido aos lares carentes.

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