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ALGEMAS REAIS NO MUNDO VIRTUAL

“-Ô, seu guarda… Por que fecharam essa rua aí!?
“-Ah, foi o Juiz que mandou.”
“-Mas fechar por quê? Até que horas vai isso?”
“-Sei não. Parece que o cara ali da padaria não pagou as contas dele, então o promotor pediu pra fechar a rua até derrubar o faturamento, pra ele resolver pagar.”

Não foi uma rua, mas uma infovia, por onde passam diariamente dezenas de milhões de pessoas. O WhatsApp parou por 13 horas no Brasil e, mais uma vez, levou o nome da pátria amada às manchetes internacionais. Nada de fazer coro à indignação, evocar o absurdo. Pobre coitado, o que será do absurdo? Até as coisas que ninguém imaginou já acontecem, e o significado dele só encolhendo. O fato está aí, na história, e apesar da origem virtual terá reflexos reais que podem impactar o mundo todo.

Tudo começou com um processo crime, ninguém sabe qual, porque corre em segredo de justiça na cidade de São Bernardo do Campo, Grande São Paulo. O promotor do caso quer acessar mensagens trocadas pelos acusados via WhatsApp, para provar culpas e inocências. A juíza concordou e determinou quebra de sigilo mas o WhatsApp não cumpriu até agora. Então para e não volta enquanto não passar as informações que deve à lei. As operadoras móveis receberam a ordem judicial para tirar o tráfego do WhatsApp do ar. O Brasil, em silêncio. Ou, em outros endereços eletrônicos, num barulho poucas vezes visto.

MUITO ESTRANHO, MAIS DO QUE PARECE

Digamos que um juiz tire do ar um site de compras. Os negócios param de imediato, como se um míssil destruísse uma loja inteira, num único lançamento. Daí a direção do site cumpre as exigências e a loja reaparece todinha lá, sem nem o cheiro da pólvora. Mas e o WhatsApp? Você já se perguntou de onde vem a receita da rede social móvel? Nunca aparece propaganda, não descontam nada no banco, não é o governo que paga. Seria o “lanche grátis”, que economistas e advogados insistem em dizer que “é absurdo” (olha ele aí de novo). Por que o mais jovem magnata da história teria pago dezenas dos seus bilhões para ter, ou melhor, para nos dar esse brinquedo?

As hipóteses, a partir dessa constatação, podem ser assustadoras. A primeira seria o fim da “degustação”. Apareceria alguém na sua porta – mais provável na porta virtual – e perguntaria: “-Gostou do período de degustação do WhatsApp? O que acha de contratar um plano a partir de agora?” Pelos vários casos de sofrência extrema relatados na mídia e nas outras redes sociais, com certeza os donos do negócio coçaram a cabeça. E também os dedos.

A outra hipótese, que não anula a anterior, é de que parte dos seus rastros pelo WhatsApp estejam sendo seguidos, ou melhor, vendidos. Seriam estudos a partir de palavras chaves? Fotos? O aplicativo aumentou as vendas de pacotes de dados para dispositivos móveis e o tempo de conexão Wi-Fi. Esse último, já é utilizado comercialmente para identificar a movimentação de pessoas dentro de grandes lojas. O objetivo é conhecer hábitos de consumo. Será que o WhatsApp não tem mais nenhum outro dispositivo, capaz de enviar informações mais detalhadas sobre suas necessidades imediatas de compra? Mark Zuckerberg quis transparecer que jamais faria isso. Ao saber do bloqueio brasileiro se disse indignado com o que aconteceu, “só porque guardamos muito bem o sigilo dos internautas”. Humm…

PAGANDO BEM, EU FICO ZEN

A parte mais complicada e mais imprevisível desse imbróglio é no campo jurídico. A propósito, a Justiça foi a primeira instituição a criar uma instância meio que “virtual”. Ela concebeu a “verdade jurídica”, que sempre busca ser a “verdade verdadeira”, mas pode ser diferente. Uma verdade a parte. Se você é condenado a pagar uma conta que não deve, mas perde o prazo para recurso, vai ter que pagar. Porque a verdade jurídica não foi contestada tempestivamente, então “Dormientibus non sucurrit jus”, em português, “O Direito não socorre aos que dormem”, em “brasileiro”, “você dançou”.

Foi em nome da Justiça que o WhatsApp foi citado. A busca é pela verdade verdadeira. E se alguém lá pelos servidores do WhatsApp resolver fraudar alguma informação? Bitcoins or not bitcoins. That’s the question! Tudo bem, o mundo real terá outras pistas para perseguir a verdade. Mas serão suficientes para preencher as exigências da verdade jurídica, sem afastá-la da verdade verdadeira?

O episódio da semana foi, sem dúvida, mais um monumental alerta sobre os riscos que crescem pelo mundo virtual. O primeiro diz respeito à parte dos cidadãos que sobrevive daquelas interações virtuais, que pulsa lá dentro. Tanto por paixão como por necessidade profissional, pessoal, de várias naturezas. É uma vulnerabilidade social, potencialmente, até mais perigosa do que a vulnerabilidade do território. Essa parte da vida das pessoas fica em outro mundo, sob o controle de gente que não está aqui, que não sabemos quem é. O abismo tecnológico é outra fraqueza, por nos colocar muito longe de qualquer possibilidade de reação, no caso de um isolamento. Um outro risco ficou patente nas denúncias de Edward Snowden sobre práticas de espionagem, por parte do Governo Americano. Depois do desconforto diplomático, que envolveu também a Alemanha – a mais poderosa nação europeia na atualidade – Barack Obama se comprometeu a não permitir mais que isso aconteça. Lembrando que no ano que vem ele passa o cargo a outro governante; que a ameaça do terror cresce a cada dia; que a China está avançando fortemente sobre mercados americanos; que todos os caminhos e recursos para voltar a espionagem estão lá. Tem uma coleção de “senões” a serem considerados. Diante de tanta preocupação, só nos resta uma saída: correr pro WhatsApp e extravasar toda essa tensão com os amigos mais próximos.

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