sexta-feira, 28 de julho de 2017
Se há uma coisa nesse mundo que existe de verdade é a mentira. E, a despeito de todo o mal que ela possa representar, a mentira também é útil. Mais ou menos como o dinheiro. Está na raiz de todo o mal porém, se for bem usado é uma maravilha.
Não se trata de defesa ou apologia à mentira. É mero respeito à verdade. Sim, a verdade, essa coisa que segundo a sabedoria popular, dói. Talvez por isso o mundo tem demonstrado um apreço cada vez maior pela mentira. A ponto de dar o pomposo nome de “pós-verdade” a um dos piores tipos da mentira. Bonito, né!? Parece que sim. No ano passado, na tradicionalíssima Universidade de Oxford, “pós-verdade” foi eleita a palavra do ano na língua inglesa.
Na Internet, que também é chamada de “mundo de mentirinha”, o excesso preocupa. Facebook e Google desenvolveram robôs para tentar rastrear notícias falsas na rede, mas o resultado ainda é muito tímido. A alta tecnologia ainda não tem essa solução. Outros experimentos e pesquisas tentam descobrir por que se usa tanto a Internet para divulgar mentiras. Por enquanto, a conclusão mais evidente é de que as pessoas se interessam mais pelas mentiras. Elas bombam, se tornam virais. “Qualidades” que podem se tornar dinheiro para quem sabe lidar com isso.
Por sinal, a pós-verdade é mais uma famosa nativa digital. Foram as redes sociais que colocaram o poder de publicar ao alcance de todos e assim criaram as condições ideais para mais uma modalidade da mentira. A pós-verdade é aquela resposta que vem muito explicada:
“-O sujeito é honesto ou não é?”
“-Veja bem, na verdade ele sempre lutou pelo bem, pelos desempregados. Para combater os inimigos dessa gente sofrida ele precisou fazer alguns acordos, afinal ele enfrentava os poderosos. Dizem que foi assim que acabou (…fez alguma sacanagem…). Mas eu não acredito, ele é um cara muito legal, de um grande coração. Só pode ser perseguição.”
O fato em si perde importância diante de um apelo emocional que é associado ao contexto. Os estudiosos desse fenômeno entendem que essa instrumentalização da mentira ganhou notoriedade global durante as últimas eleições presidenciais nos Estados Unidos. Algo que, nas eleições de 2014, no Brasil, também tivemos muitos exemplos concretos.
A MENTIRA COMO NEGÓCIO
A criatividade fez surgir na Internet muitos novos modelos de mentira. Essa infinita amostragem de não-verdades facilita perceber os perigos que podem estar ocultos nessa prática. A gente abre sites que sobrevivem daquele tipo de mentirinha light que é aceito no marketing dito honesto. Eles só avançam um pouco mais no território da não-verdade. Por exemplo, o teste do sabão em pó, que você cansou de ver na TV. Alguma vez aquilo te convenceu? Por acaso jogou café numa camisa branca para ver se algum sabão removia a mancha com uma simples lavagem? Pois é, muitos sites fazem promessas do mesmo tipo, só um pouco mais ousadas.
O bom Jornalismo está perdendo de lavada para os “bafões”. E o motivo é muito simples. A Internet não é um mero espaço para publicação, é também um medidor de audiência em tempo real. Enquanto uma empresa jornalística paga profissionais especializados para localizar e questionar fontes seguras de informação, um fanfarrão qualquer navega na própria imaginação, pensando como seria se acontecesse algo inusitado com alguém muito famoso. Os jornalistas estão produzindo novas fotos e ilustrações, infográficos e o cara do site desonesto só vasculha o próprio repertório de maldades. No espaço de tempo em que uma notícia verídica é produzida, várias lorotas já foram postadas com fotos pirateadas e muita irresponsabilidade. E os robôs confirmam que a quantidade de acesso às mentiras é bem maior do que o interesse pelas notícias. É o suficiente para tirar muitos anunciantes do bom Jornalismo.
O que já estamos vendo é quase o apocalipse da informação. Espaços jornalísticos que desfrutam de conceito na Internet não estão conseguindo sustentar o padrão de qualidade no quadro profissional. E acabam, eles mesmos, repercutindo bobagens antes de verificar tecnicamente a veracidade dos fatos.
Nesse ritmo estamos próximos a um desastre do tipo que a Costa Leste americana viveu em 1938, durante a apresentação da peça de radioteatro “A Guerra dos Mundos”, apresentada por Orson Welles. Muitos dos que ligaram o rádio depois do início da peça não ouviram a explicação de que se tratava de uma obra de ficção. Isso levou pânico entre milhares de famílias em várias cidades. Guardadas as proporções, lembra os “alertas virais” sobre ameaças que estariam circulando na rede: “-Se você receber um e-mail de fulano de tal NÃO ABRA!! (…). Avise todos da sua lista.”
A MENTIRA PELA MENTIRA
A psicologia e outras ciências da mente devem ter confirmações de que há pessoas que gostam de uma boa “cascata”. Elas são vítimas incuráveis de bobagens mal explicadas. Por mais que alguém demonstre o contrário, mais elas insistem na atitude ingênua, curiosamente, para se dizerem mais espertas que todos. Sustentam seus credos em alguma fé improvável. Por exemplo, nos Illuminatis, uma suposta sociedade secreta que quer dominar o mundo e que usaria estratégias que ninguém alcança. Nem ele, o ingênuo, e nem os “céticos”. Entre ufólogos, exotéricos e outros grupos similares há pensamentos semelhantes. Criam roteiros esdrúxulos, usando seus personagens ocultos, para explicarem até fenômenos naturais como terremotos ou furacões.
Mas tem outros estilos de consumidores vorazes de besteiras. A Internet evidenciou especialmente aqueles que se ressentem da falta de criatividade para inventar as próprias mentiras. A grande excitação chama-se “compartilhar”. Qualquer bobagem que passe por ali se torna objeto de maior interesse para esses internautas. E aquele esgoto cibernético vai inundar as caixas das vítimas listadas em sua conta.
Você já deve ter recebido algum: “… vejam o sofrimento dessa mãe, que precisa passar todos os dias no hospital para manter o filho vivo. Compartilhe com o máximo de pessoas até encontrarmos alguém que possa ajudar essa criança.” E se eu encontrar o tal benemérito, como ele vai poder ajudar? Onde está essa criança, como se chama a mãe, é no Brasil ou no Exterior? Nada disso passa pela cabeça do tal internauta, aflito em gozar o prazer de compartilhar. Ahhh! Tem vezes que até aparece um telefone para contato. Mas quem testa pra saber se é verdade? Os compartilhamentos são tantos que mesmo a mínima porcentagem de pessoas responsáveis acaba gerando problemas. Trotes desse tipo levaram pessoas a trocarem o número de telefone, em parte pela quantidade de bem intencionados que acudiram o chamado.
Por conta disso as redes sociais estariam estudando uma maneira de limitar a quantidade de postagens diárias por usuário. Pode ser só um artifício para reduzir os custos com os servidores que guardam tanta porcaria. Por outro lado, muitos gostariam de ver suas caixas de entrada mais limpas.
Por fim, há aquele tipo de mentira solidaria, simpática. É o elogio que se faz à foto nova no perfil de um amigo, ao texto “interessante” que outro escreveu sobre o bem, ou o agradecimento por aquele “bom dia” ilustrado que você recebe todas as manhãs no seu WhatsApp. É, a Internet tem defeitos. Mas tem também a virtude de dar utilidade até para coisas tão horríveis como a mentira.
ARQUIVO DE POSTAGENS