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O QUE PODE SER FEITO CONTRA A MENTIRA?

Mentir é contra a lei? Parece que, no Brasil, ainda não. O Senado adiou para a próxima terça-feira a votação do Projeto de Lei 2630, mais conhecido como a lei das fake news. Será que já não tem lei suficiente no Brasil contra a mentira?

O motivo do adiamento é a polêmica que a iniciativa está causando no mundo todo. E deve continuar crepitando, enquanto o Senado insistir em discutir o tema em regime de urgência. O projeto está sendo apresentado como uma solução para algo tão antigo quanto a humanidade. Algo que nem a filosofia resolveu e que permeia a vida pública e privada de todos nós: a mentira. Assim, essa discussão é um choque de grandes verdades que, possivelmente, tentam esconder maiores mentiras.

O Presidente do Senado, Davi Alcolumbre, diz que “fake news não tem nada a ver com liberdade de expressão” e ainda, que “… toda mentira, de alguma maneira, vai contra a liberdade”. Gigantes como Facebook (WhatsApp), Google e Twitter estão transtornados com a possibilidade de aprovação do projeto. Dizem que o cadastramento de usuários, conforme proposto, iria reduzir a privacidade e afetar a segurança dos usuários de redes sociais e até de e-mails. Vejam quantas verdades! Mas será que a preocupação dessas transnacionais é mesmo com os usuários? E os senadores, estão preocupados apenas com as mentiras? Não. O Ministério Publico Federal, em nota técnica, entre outros excessos do projeto aponta o artigo 53, que pune a “degradação ou ridicularização de candidatos em propaganda.” Matéria publicada no site Teletime cita trecho da nota técnica do MPF dizendo que “no processo eleitoral, as críticas com deboche, sarcasmos ou em tom jocoso, fazem parte do jogo eleitoral…”. Portanto, a preocupação de suas excelências, os senadores, parece estar mais voltada para a defesa da própria imagem pessoal.

Uma carta conjunta, assinada por 47 entidades do Brasil e do Exterior, tem entre os signatários a Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. A carta destaca o risco da “… excessiva vigilância e da ampla criminalização de discursos” constantes do texto do projeto. Trata também de “… conceitos imprecisos e ambíguos, incluídos os de “notícias falsas” (fake news) ou “informação não objetiva”.

Verdade e mentira são dois conceitos claros, mas impossíveis de serem demonstrados em suas minúcias. Uma lei que criminalize tudo que não for totalmente verdadeiro, poderá ser usada para punir todo tipo de crítica. Pois elas sempre especulam motivos, fazem associações entre fatos e assim, muitas vezes, conduzem à importantes demonstrações. No rumo dessas demonstrações, alguns detalhes não se confirmam, mas a essência dos fatos acaba revelada. Seria justo punir por detalhes que não se confirmaram? Políticos dependem de grande exposição pessoal e procuram por ela. É natural que assim aumentem o risco de danos à própria imagem. Num mundo de imperfeições, danos colaterais sempre vão existir.

O senador Ângelo Coronel (PSD-BA), relator do projeto, apresentou nesta semana a quinta versão do relatório, com 79 páginas, o que motivou o adiamento da votação. Em entrevista ao site Tilt ele afirma que “as redes sociais têm de entender que não podem simplesmente viver no Brasil sem ter regulação.” Ele é também presidente da CPMI das fake news. Entre os pontos mais polêmicos do pl 2630 está a exigência de que todo usuário de rede social será obrigado a ter um cadastro onde vai constar CPF, número do telefone celular e outros dados pessoais. Nos aplicativos de mensageria, como WhatsApp, devem ser criadas ferramentas que registrem os conteúdos que cada usuário enviou ou repassou, para que possa ser rastreado. O projeto também prevê a obrigatoriedade de todas as redes sociais manterem, em território nacional, os servidores que armazenam as contas dos usuários. As multas impostas por força dessa lei podem chegar até a R$ 10 bilhões, no caso de descumprimento por parte das redes sociais ou aplicativos de mensageria.

Uma multa nesse valor é apenas mais um sinal claro do despropósito que representa o tal projeto. Porém, de forma mais inteligente e consequente, a própria sociedade pode impor seus limites. Nesta sexta-feira, por exemplo, o Facebook foi “penalizado” com um valor superior a 3 vezes e meia essa quantia. Uma mobilização, organizada por seis grupos de direitos civis dos Estados Unidos, está instando anunciantes a boicotar a rede social, que estaria sendo “complacente” com o discurso de ódio. O movimento, batizado Stop Hate For Profit (“pare de dar lucro ao ódio”), só no pregão de hoje derrubou o valor de mercado da plataforma em US$ 7,1 bilhões. Desde o último dia 22, a desvalorização somou US$ 74,6 bilhões. Aderiram ao movimento anunciantes como Coca-Cola, Unilever e Honda, dentre outros. Foi mais do que suficiente para Mark Zukerberg se mexer. À conferir!

Há 40 anos, ou até mais, o grande problema desse tipo era a fofoca. Ela não contava com nenhum recurso tecnológico em especial. Eventualmente, usava do bom e velho telefone fixo. Mesmo assim destruiu lares, empresas, amizades e outros “ativos” de altíssimo valor. A vida em sociedade era cheia de regras, antigos preconceitos e a fofoca preenchia o tempo na vida de muita gente. Hoje ainda existe mas, com tanta gente ligada nas redes sociais, “ao pé da orelha” surte pouco efeito. Especula-se na ciência a possibilidade de a fofoca ter sido um dos motivos do despertar da inteligência da espécie humana. Enquanto essa inteligência não evoluir até um outro patamar, possivelmente o mundo vai continuar sofrendo as consequências da mentira dolosa, em todas as formas de expressão que ela possa utilizar.

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