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PAGAR A CONTA NO PAÍS DO FAZ-DE-CONTA

“Todos são iguais perante a lei.” Escrever essa frase significa reproduzir um trecho de leis de quase todos os países. No entanto, até hoje, o dito está mais para palavra-de-ordem – aquelas que as multidões clamam nas passeatas – do que propriamente uma lei, efetivamente cumprida.

Claro que igualdade não é identidade. Não existem pessoas idênticas. Por isso o bom senso admite algumas exceções nas leis, sem ferir a igualdade. Acontece que, no Brasil, as exceções criaram muitas regras. Em muitos outros países também, mas o mau exemplo nunca serve como desculpa. Por aqui, durante um tempo, até se justificavam certas exceções, mas ainda éramos um país muito mais humilde. Hoje, queremos no papel o selo de país desenvolvido: “-Em desenvolvimento uma ova”. Mas quem paga a conta?

Esse Brasil todo, território imenso, é fácil querer, mas difícil cuidar. No passado, alguns expedientes para ampliar os cuidados foram adotados com sucesso. Por exemplo, quem comprava uma linha telefônica pagava também por ações da estatal de telecomunicações. Isso permitiu que a telefonia chegasse a regiões remotas, que então se desenvolveram. Hoje em dia querem usar a mesma lógica para acelerar negócios privados. Claro que surgem distorções grotescas.

Quando as operadoras de TV por assinatura vieram para cá, trataram de jogar para elas uma série de obrigações, visando interesses nacionais. Muito bonito, mas muito ineficaz. Parte da programação ficou para filmes nacionais, surgiu contribuição em favor do cinema nacional etc, etc. Em 2011 foi aprovada uma lei só para as TVs por assinatura, que passaram a ser um SeAC – Serviço de Acesso Condicionado. A lei do SeAC sacramentou as obrigações em cima das operadoras, sob a supervisão da Anatel. Pouco depois o Netflix ganhou outras proporções, mas as obrigações ficaram só em cima das TVs por assinatura. Mais recentemente foram os próprios canais – como Fox, por exemplo – que resolveram ir direto pela Internet, para o consumidor. Daí a coisa complicou.

A Claro, que também comanda a NET, foi à justiça. A bronca é mais ou menos assim: “- o canal fatura aqui na minha grade, ao mesmo tempo vai para a Internet para concorrer comigo e, como concorrente, não paga as obrigações que preciso recolher aqui. Se vendem programação linear, são SeAC, tanto faz por onde entregam. E, como SeAC, têm de recolher as mesmas obrigações.”

Se você fosse juiz desse caso, o que responderia? Em princípio, a Anatel disse sim. Concordou em resguardar os argumentos da Claro e mandou a Fox tirar a programação linear da Internet. A agência pediu mais tempo para uma definição do conselho. Mas uma corte judicial resolveu cassar, em liminar, a decisão provisória da Anatel. Os processos continuam, na Anatel e na Justiça.

No começo deste mês de fevereiro a Anatel chegou a uma decisão definitiva, considerando canais lineares via Internet um SVA, serviço de valor adicionado. Como SVAs não são fiscalizados pela Anatel, “não temos mais nada com isso”. Em outras palavras, “recolham as obrigações e se virem com a concorrência”.

No relatório da Anatel para a questão, divulgado pelo site Teletime, os conselheiros se preocuparam em mostrar o óbvio: que a Internet é diferente de TV por assinatura. Gerou controvérsias dentro do próprio conselho da agência e um bombardeio até de políticos. Recursos devem ser impetrados.

Alguns analistas entendem que, depois de a Anatel aprovar a fusão AT&T – Warner, que não agradou os radiodifusores, seria necessário fazer alguma carícia para acalma-los. Isso foi feito com a liberação de canais lineares na Internet, o que interessa para as emissoras de TV aberta. Então passou a considerar os canais como SVA.

É verdade que a dinâmica da distribuição de conteúdos audiovisuais – pela Internet, por TVs por assinatura, via cloud computing, IPTV, … – está mudando muito rapidamente. As operadoras do serviço a cabo estão com dificuldade para convencer clientes. Mas também não precisa sufoca-las com tantas obrigações. Já foi o tempo em que essas operadoras eram minas de ouro. Hoje, lutam para assegurar algum espaço no mercado. E, se isso acontecer, se manterá uma alternativa a mais para os consumidores, e um espaço a mais para os produtores de conteúdo, inclusive brasileiros. Em recente entrevista à Revista da SET, Raymundo Barros, diretor de tecnologia da Globo, disse que “os modelos de monetização em torno do conteúdo estão se transformando profundamente”. Ele destacou a necessidade de mais alternativas para entregar conteúdos ao público.

Fala-se muito na necessidade de o país atrair investimentos. Sem regras justas, isso se torna muito difícil. É o mínimo que um país, que se diz desenvolvido, precisa garantir a quem quer trazer dinheiro para investir.

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