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E SE TUDO VIESSE DE “MÃO BEIJADA”?

O que pode faltar quando tudo é de graça? Um caso prático, observado no último fim de semana em Campinas-SP, pode conduzir a uma resposta esclarecedora para essa questão.

A história começou na semana anterior, quando várias pessoas receberam mensagens, via Facebook, sobre um evento de arrecadação de donativos para famílias atingidas pelo mar de lama em Mariana-MG. Foi marcado para o domingo, num espaço público, entre oito da manhã e cinco da tarde. O local foi cedido pela prefeitura, a divulgação de evento pelo Facebook não custa nada e uma transportadora cedeu dois caminhões de carroceria fechada, tipo baú, e os motoristas para levar os donativos. Já estava terminando o horário e voluntários estavam organizando pelo chão milhares de garrafas de água mineral, alimentos não perecíveis, roupas. Duas pessoas conversavam próximo ao balcão:
“-Vocês me deixam entrar depois das cinco? Ainda preciso comprar os donativos.”
“-Desculpe, meu caro, mas temos horário para desocupar esse espaço e devolver a chave para a prefeitura. Não vai dar.”
“-Então posso fazer uma doação em dinheiro?”
“-Obrigado, mas não estamos recolhendo dinheiro, porque não temos como contabilizar.”

E agora? Tudo exalava a máxima boa fé, e aquele pretendente a doador ia ficar de fora da campanha que convenceria a sua consciência. Quinze minutos depois, pelo estacionamento chegam dois rapazes alterados, carregando vários sacos plásticos de arroz, feijão, alguma lataria e outros alimentos:

“-Que ignorância, isso aqui não é pra esses caras”, protestava um deles.
“-O que houve?” perguntou um curioso. (sempre tem um…)
“-O sujeito lá do portão não queria me deixar entrar porque passou do horário. Olha o que compramos! Vou voltar com isso pra minha casa e o pessoal lá em Mariana passando fome? De jeito nenhum!”

Boa fé contra boa fé. Atitude solidária contra atitude solidária. De quem é a razão? Atritos no território do bem!

TEM QUE QUESTIONAR

Vamos ver o que se passa no portão. Um dos organizadores, pingando de suor, não perdia o sorriso nem a serenidade no semblante. Carros ainda chegando, ele barrava: “-Não temos mais como receber doações, o horário já encerrou.” A primeira reação, sempre era indignada. Alguns compreendiam, depois de alguma insistência. Outros voltavam de cara fechada.

A turma que já tinha entrado e apenas observava o movimento tentou persuadir o rapaz: “-E se deixar só mais alguns entrarem? Eles estão ficando frustrados, decepcionados.” “-Não dá”, replicava pacientemente. “Temos horário a cumprir com o administrador do espaço.” Os argumentos eram muitos e a cada replicação, aquele organizador apresentava uma resposta mais convincente. Ao final, ficou esclarecido que as doações precisariam ser empilhadas da maneira certa, sob pena de amassar garrafas de água, estragar sapatos e roupas, perder alimentos. Os voluntários, amadores em transporte, tinham poucas chances de fazer o carregamento do que já estava ali, dentro do prazo. O local tinha horário pra fechar, os motoristas tinham horário pra sair. E concluiu: “-Como você se sentiria se soubesse que o alimento ou outro donativo que você trouxe ficou por aqui ou se perdeu no transporte?”

Não dava pra receber, mesmo. Ele tinha toda razão.

Fosse um oportunista, sorriria para todos os doadores atrasados, aceitaria tudo e diria palavras carinhosas àqueles egos. Do lado de cá, todos estariam felizes e orgulhosos. Mas do lado de lá, nas montanhas de Mariana, não dá pra dizer o que chegaria inteiro, em condições de uso. É tudo de graça mesmo, reclamar do quê?

NADA SUBSTITUI O BOM TRABALHO

Os recursos financeiros são muito importantes em qualquer iniciativa. Mas não são tudo. Isso fica evidente em situações como a desse episódio, mas também em casos inversos. Por exemplo, quando um gestor se sente muito à vontade para abrir um negócio, só por ter grande disponibilidade financeira. Em qualquer empreendimento, com qualquer objetivo, todos os recursos tem que ser valorizados. E mesmo respeitados, quando se trata de recursos diretamente associados à condição humana, como o trabalho, o tempo, os compromissos alheios, a solidariedade que envolve uma atitude de apoio. A maior disponibilidade de dinheiro vai implicar em maior investimento no controle de recursos, nunca no desprezo de outros valores.

Por isso, ações humanitárias em empresas, além de promoverem uma aproximação diferente entre os funcionários e um ganho institucional para a imagem da empresa, podem ser importantes “laboratórios” para desenvolver o espírito de inovação. Porque a inovação acontece em direções desconhecidas, às vezes imprevisíveis. É nessas horas que as pessoas precisam, mais do que nunca, avaliar corretamente todos os recursos envolvidos, aceitar decisões de grupos, participar construtivamente dessas decisões, conviver com situações de fracasso. E, ainda assim, encontrar mais energia para se superar e seguir em frente.

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