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PAGAR É PRECISO, RECEBER NÃO É PRECISO

Celular, Internet, telefonia fixa e TV por assinatura. Esses serviços constituem as telecomunicações brasileiras, de acordo com as leis nacionais. Em 2019 os clientes do setor pagaram R$ 65,4 bilhões. Não pelos serviços, apenas pelos impostos que incidem sobre a rubrica. Dividindo esse valor pelos 365 dias do ano passado e depois pelas 24 horas de cada dia, chega-se ao valor de R$ 7,4 milhões pagos por hora em impostos.

uem sugeriu essas contas foi o SindiTelebrasil, o sindicato nacional das empresas do setor. Assim chegou a um número mais compreensível pra tentar explicar o número impensável. Deixa todos sem noção. O enredo termina com um apelo à sua indignação, pois isso representaria uma das maiores tributações do mundo. Mais exatamente a terceira maior, segundo a União Internacional de Telecomunicações (UIT).

Aqui a gente revisita a fábula do “pastor brincalhão”. Conta-se que, enquanto tomava conta das ovelhas, achava divertido lançar, vez por outra, um alarme falso: “-Olha o lobo!”. A turma encarregada de defender o rebanho vinha de sobressalto, olhos arregalados. Dava de cara com o pastor bem humorado, às gargalhadas. Até que um dia o lobo apareceu de fato, e o alarme do pastor não surtiu nenhum efeito. Todos pensaram que era só mais uma brincadeira.

Nos anos pré-WhatsApp as telecomunicações brasileiras ostentavam outro recorde. Nossos celulares tinham as tarifas mais caras do mundo. A negativa da redução de preços na conta mensal era justificada com os altos impostos sobre o setor. “-Algo alarmante”, reclamavam as empresas. Hoje, reclamar dos altos impostos parece o castigo pelo hábito do alarme falso. Afinal, aquelas tarifas “impossíveis” de serem reduzidas caíram bem abaixo da expectativa do freguês.

Foi só o WhatsApp abrir um atalho gratuito para conversar com quem quisesse, em qualquer lugar do mundo. A redução das tarifas surpreendeu quem alarmava indevidamente.

Alguém estaria tentando provar que os impostos sobre as telecomunicações no Brasil não são altos? Ora, isso seria uma insensatez. Os impostos são, sim, muito altos e os serviços tendem a continuar caros, diante da baixa qualidade que apresentam. O motivo estaria numa perversa combinação de fatores contra os usuários.

O primeiro fator talvez seja a infraestrutura ruim das cidades em geral. O celular facilita encontrar uma ajuda em várias situações. No tédio de um transporte coletivo lento e desconfortável, na longa espera por um atendimento médico ou na fila de um banco, ou ainda para avisar nas frequentes faltas de água, de energia elétrica. Sem contar o fato de que, a partir do surgimento dos modelos smartphone, esses aparelhos se tornaram muito atraentes. Coisa do tipo “não vivo sem ele”. A partir daí, num país onde consumidor, contribuinte e cliente não recebem o devido respeito, caímos na regra do “passou boi, passa a boiada”.

Vejamos o caso dos “fundos setoriais”, cobrados pelo governo federal. A lei determina que eles sejam cobrados para promover melhorias nos serviços, com vários propósitos. Por exemplo, a maior fiscalização, o aumento das redes para levar os serviços mais longe e até apoio ao audiovisual brasileiro, comercializado pelas TVs por assinatura. Com a promessa de que esses benefícios todos viriam, o governo arrecadou, nos últimos 18 anos, R$ 113 bilhões – novamente, dados do SindiTelebrasil, publicados no site Teletime. Mas nesse tempo todo nem R$ 10 bilhões foram gastos para os propósitos a que se destinavam. O mais curioso é que o governo federal, desde sempre, não cansa de tentar criar novas formas de levar recursos para as telecomunicações. Foi a virtual doação de redes telefônicas fixas para as teles, também de milhares de imóveis do antigo sistema Telebrás e agora está pensando em não multar mais as companhias do setor que deixarem de cumprir compromissos com os clientes. Seriam “estímulos” para as teles investirem na melhoria dos serviços.

Portanto, essa antiga briga (??) entre o governo e as teles parece acontecer só para chamar a atenção do público, enquanto continuam batendo as carteiras dos que se distraem com o espetáculo. O governo – considerando todos que estão passando ao longo do tempo – arrecada muito, sem projetos para executar as melhorias. E as grandes companhias do setor oferecem serviços de baixa qualidade, negociados entre compromissos nem sempre honrados.

É nesse padrão de gestão que se paga por respiradores que não chegam, investe-se em hospitais de campanha que não são montados e contrata-se médicos que não recebem nem luvas e máscaras para enfrentarem a pandemia. No lugar de todos esses recursos, pagos pela população, possivelmente vão chegar muitas desculpas e explicações.

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