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TRAGÉDIA E COMÉDIA NO CASO OI

A situação da Oi cada vez mais se assemelha à tripulação de um grande navio, brigando entre si pelo único bote salva vidas a bordo. Cada um tem como meta se dar bem, sem nenhuma preocupação com o rumo do navio, muito menos com a legião de incautos que embarcaram na maior boa fé e ainda não se deram conta dos sérios problemas.

A empresa, que está em recuperação judicial, precisa apresentar aos credores um plano para se recuperar. E este plano deveria ser analisado e votado numa Assembleia Geral de Credores, marcada para a próxima terça-feira, dia 19 de dezembro. Já é a terceira vez em que a data da assembleia foi transferida e deve ser, mais uma vez, adiada.

A briga, que acontece entre alguns setores do Conselho e a Diretoria da companhia, caiu na pura baixaria, segundo matéria publicada pela Revista Piauí. No mês passado o Presidente da empresa, Marco Schroeder, pediu pra sair e fez constar em ata que sofreu “ameaças à sua integridade física”, como represália contra os encaminhamentos que teria apresentado para salvar a companhia. As ameaças foram anônimas, por telefones fixo e celular. E mesmo tendo todos os especialistas de uma empresa de telecomunicações à disposição, não conseguiu rastrear a origem. Coisa de profissional!

Eurico Telles, que foi diretor jurídico da Oi e assumiu a presidência com a saída de Schroeder, precisou ir mais longe. Foi até a Delegacia Anti Sequestro quando soube de alguém investigando toda a vida dele, inclusive na Junta Comercial. A polícia chegou ao suspeito que afirmou apenas estar interessado em escrever um livro sobre a vida do advogado. Biógrafo que não fala diretamente com o biografado, vivo? No mínimo, estranho.

Até a CVM, órgão da Bolsa de Valores que faz as vezes de uma agência reguladora do mercado de capitais, foi instada a intervir. Como a Oi tem ações em pregão, dois conselheiros independentes, que representam o BNDES – um dos maiores credores da empresa – denunciaram à CVM pressões variadas, “através do vazamento de informações confidenciais, de notícias inverídicas, factoides ou distorção de fatos na mídia”. Tais pressões foram atribuídas a “diferentes grupos”, sem citar mais detalhes.

Isso tudo acontece dentro da empresa que é a maior operadora de telefonia fixa do país, que atua em todos os estados brasileiros. Tem a segunda maior rede de fibras óticas do mundo e um total de 330.000 Km de cabos. Atende ainda vários serviços estratégicos do Governo Federal como, por exemplo, toda a comunicação das Forças Armadas. É ainda quem cuida do tráfego de dados das urnas eletrônicas durante as eleições.

A QUEDA DE BRAÇO

A bagunça é generalizada. O fundo Societé Mondiale, por exemplo, que detém cerca de 5% das ações da Oi, também se associou a um grupo de credores. Está, portanto, nas duas pontas da negociação. De qual lado ele vai lutar, quais os interesses que vai defender?

O grupo de credores é do tipo bondholder. São empresas cujo principal negócio consiste em comprar dívidas, para ganhar na eventual recuperação da empresa devedora. Muitos credores, que precisam de dinheiro no curto prazo, aceitam receber apenas uma fração da dívida, repassando os títulos de cobrança a quem pagar, no caso, os bondholders. Dívidas da Oi chegaram a ser negociadas a 20% do valor de face.

O interesse desses grupos passa a ser o recebimento do valor integral da dívida, que compraram com grandes descontos. No mínimo vão lutar para receber o maior valor possível. Do outro lado, os acionistas estarão brigando para pagar o menor valor possível, na tentativa de preservar o caixa da empresa para investimentos e pagamento de outras dívidas. O conflito de interesses é evidente.

No Conselho da Oi o Societé Mondiale se antecipou à Diretoria e fez, ele próprio, um plano de recuperação para apresentar aos credores. Isso foi há cerca de dois meses. A Diretoria recusou, dizendo que o plano favorecia claramente os credores associados ao fundo. E que, se implementado, seria desastroso para a operadora.

É exatamente o que o Societé alega agora, contra a diretoria da Oi, que apresentou recentemente outro plano de recuperação. O plano deveria ser votado na assembleia de credores do dia 19, porém, nesta semana, uma ação foi ajuizada pedindo o adiamento. Dirigentes do fundo acusam a diretoria de favorecimento e ameaçam uma avalanche de ações na Justiça para anular as decisões da assembleia de credores, caso ela ocorra.

Quem está à frente do Societé é o empresário Nelson Tanure. De acordo com a agência Bloomberg, executivos do fundo de hedge americano Aurelius Capital Management, um dos maiores do mundo no segmento, dizem nunca ter encontrado pela frente alguém como Tanure. O Aurelius, atua na reestruturação da Oi e já enfrentou contenciosos históricos, como a negociação da dívida soberana da Argentina.

FRAGILIDADE INSTITUCIONAL

A Oi tem atualmente 70 milhões de clientes e cresceu a partir de favorecimentos governamentais suspeitos, porém, para fins nobres. O objetivo era ter uma grande empresa de telecomunicações brasileira, para não depender somente de empresas estrangeiras, numa atividade tão estratégica.

Ao longo dessa empreitada a Oi contou com dinheiro público e apoio do Governo Federal para expansão. Participou de aquisições, fusões e outros negócios fracassados, que enriqueceram muitos espertalhões e deixaram para a empresa uma dívida de R$ 64 bilhões. Surgiu originalmente do grupo Telemar, um consórcio entre a Construtora Andrade Gutierrez, o grupo La Fonte e fundos de pensão de estatais, que arrematou empresas publicas de telefonia no leilão de privatizações de 1998.

Até hoje os vícios de gestão estariam fazendo parte da rotina da operadora. Executivos do Societé Mondiale afirmam que os diretores da Oi custam R$ 45,8 milhões anualmente, entre bônus, salários e outros benefícios. A concorrente Vivo, que tem resultados muito melhores, não dispende tanto com sua diretoria, diz o Societé.

A fragilidade institucional brasileira seria outro fator adverso à grandes corporações privadas em áreas estratégicas. De acordo com as leis brasileiras, durante o período de recuperação judicial fica mantida a mesma diretoria, presumivelmente a responsável pela gestão prejudicial à empresa. As leis americanas, por exemplo, para casos similares, preveem mudanças compulsórias na direção.

A própria Anatel, no papel de agência reguladora do setor, foi permissiva e se mostra frágil neste momento em que a bola de neve já se transforma em avalanche. O atual governo, acuado por uma série de acusações graves, também não se mostra suficientemente forte para agir, ainda que na posição de maior credor da Oi. É num cenário desses que um único player, como o empresário Nelson Tanure, coloca de joelhos até a própria Justiça, assustada com o tamanho da responsabilidade que tem em mãos.

A solução para a Oi pode começar por um posicionamento claro e soberano por parte das instituições, talvez até a partir da recusa em adiar a assembleia do dia 19. Pode vir de uma negociação com a China Telecom ou por vários outros caminhos. Porém o certo é que ainda haverão muitas outras etapas a serem superadas até a definitiva recuperação. E a experiência deverá servir de base para mudanças. É necessário chegar a um arcabouço legal mais sólido, capaz de dar a segurança jurídica necessária a uma economia mais dinâmica.

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