sexta-feira, 20 de abril de 2018
A quem interessa a lua? Hoje em dia só a poetas, pescadores, comunidades primitivas, iminentes carecas, mulheres grávidas, … Agora imagine o que aconteceria se alguém, em algum lugar do mundo, resolvesse reivindicar, sob qualquer argumento, a propriedade da lua. Com certeza haveria contestações, acusações e muitas teses sobre a legitimidade dessa “propriedade”.
Tem alguma similaridade com outro satélite – no caso, artificial – que o governo brasileiro mandou ao espaço. Por sinal, o primeiro “território” verde amarelo no firmamento. O SGDC-1, ou Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicação, entrou em órbita em maio do ano passado. Pela banda X atende exclusivamente ao uso militar, como na fiscalização de fronteiras. Mas tem também uma capacidade em banda Ka que interessa muito ao bilionário mercado de telecomunicações. Além do potencial para atender muitos e muitos programas sociais.
Pois é, a Telebrás tentou leiloar essa capacidade, fazendo exigências específicas. “-Assim não tá bom”, disse o mercado, ao não apresentar uma única proposta nos termos do edital. Sem postulantes, a estatal achou na lei um meio para contratar, sem concorrência, uma empresa para criar a infraestrutura terrestre para o sinal do SGDC-1 na banda Ka. A escolhida foi a americana Viasat. Desde então o que vem do céu está sendo razão de muita discórdia e brigas. Uma ação na Justiça do Amazonas suspendeu o acordo Telebrás-Viasat.
O fato é que na próxima semana o imbróglio completa um mês e esse período vai ser somado na conta do desperdício de dinheiro público. Como o satélite tem combustível e equipamentos para um período fixo de vida útil, cada volta “desligado” da Terra sai muito cara para o Brasil. Deve haver uma audiência nos próximos dias para pôr fim ao impasse. Mas seria solução para apenas uma das contestações. Outros interessados também podem ajuizar ações, com base em outros argumentos.
O nosso primeiro apetrecho sideral, tão desprezado desde o início, agora inspira lutas épicas, e não poesias. Está fazendo muita gente arrancar os cabelos e pode parir um problema em hora errada, bem próximo às eleições.
DISCURSO BEM ATUAL
No final da semana passada Telebras e Viasat divulgaram comunicado conjunto onde apontam o interesse da oposição – ôps, da concorrência – em “evitar que essa parceria avance”. Dizem que tudo está dentro das leis brasileiras.
Em outro comunicado a Viasat, que chegou por aqui em fevereiro, mostrou que já aprendeu refrãos bem populares. Disse ser uma empresa reconhecida internacionalmente que trabalha com “governos em todo o mundo para conectar os desconectados”.
Mas o SindiTelebrasil, que representa as operadoras de telecomunicações, não dá muita importância a esses detalhes. Quer saber dos detalhes do contrato Telebrás-Viasat. Quer conhecer as condições que despertaram interesse de uma empresa que nunca antes tinha pisado aqui. Afinal, ela chegou para operar um serviço que foi apresentado ao mercado em condições nada atraentes.
Por enquanto, o que está na Justiça é a liminar de uma ação de perdas e danos, que não deve prosperar. A empresa amazonense Via Direta, do empresário Ronaldo Lázaro Tiradentes, alega que a Telebrás teria assegurado “direito a adquirir parte da capacidade satelital …” e que, para tanto, investiu milhões de dólares na “aquisição e instalação de equipamentos para realização de testes”. A Via Direta é parceira, aqui no Brasil, da iDirect, empresa internacional que concorre com a Viasat.
Mesmo estando no Brasil, não dá para acreditar que a Telebrás teria feito uma promessa dessas. De acordo com o site Teletime, o que se comenta no mercado é que a Telebrás autorizou, a pedido da Via Direta, testes com o sinal do satélite por 60 dias.
Porém, no caso do SindiTelebrasil, os advogados querem ter o contrato Telebrás-Viasat em mãos para comparar ao edital, e então entrar na Justiça. Se for o caso, tudo indica que as bases da eventual contestação serão mais concretas.
Enquanto isso, muita gente vem abusando da ignorância alheia para levantar a torcida. Afinal, quem entende de operação de satélites? Já disseram que a Viasat vai ter a senha do satélite (??) e que ela teria acesso à banda X (militar). O próprio Ministério da Defesa, por meio de nota técnica, garantiu que tais possibilidades não existem.
No comunicado conjunto Telebrás-Viasat o que se afirma é que a Viasat vai repartir com a estatal brasileira eventuais receitas com serviços privados. Mesmo assim, a prioridade seriam os programas sociais. O trabalho da empresa americana seria unicamente implantar a estrutura satelital em terra para receber a banda Ka e dar manutenção à rede.
HISTÓRIA CELESTIAL, PORÉM, SEM ANJOS
Em se tratando de um assunto complexo, recém-chegado aos domínios nacionais, é natural que haja certa dificuldade em compreender, por enquanto, o que está acontecendo exatamente. Porém, o que se viu até agora permite concluir que não tem nenhum anjo em nenhum dos lados.
A negativa do mercado em relação aos termos do edital pode ter sido um ato de esperteza. Todos sabiam que o satélite já estava gastando milhões de reais em órbita e só a banda X estava em operação. Toda a capacidade em banda Ka, para uso civil, estava parada e o Governo precisava encontrar uma solução. Teria sido uma aposta em um segundo leilão, com um edital mais generoso? Talvez. Mas a principal preocupação ventilada desde o início estaria nas imprecisões no edital. Elas poderiam gerar exigências mais tarde, principalmente num novo Governo, cujo perfil ninguém pode supor, pelo menos por enquanto.
Para ajudar, o Ministro relacionado mais de perto com a questão, Gilberto Kassab, resolveu acrescentar mais uma frase de efeito. No início da semana, durante evento realizado em Uberlândia – MG, disse que “nenhum brasileiro ficará sem banda larga no país, independente de onde morar”. Uma frase que sugere uma coisa, mas, na verdade, garante outra.
O Programa Internet para Todos não depende apenas das antenas e da rede que a Viasat vai colocar – caso a Justiça passe a reconhecer o contrato com a Telebrás. A estatal brasileira ainda vai precisar encontrar pequenos empreendedores locais, que tenham interesse em se tornarem pequenos provedores. Depois a mesma Telebrás terá de treinar todo esse pessoal para que, finalmente, possam oferecer os serviços a preços mais baixos para as respectivas populações.
Porém, o satélite, assim como tudo que existe no mundo, tem limites de capacidade. Ao reconhecer que atualmente existem 20 milhões de domicílios sem acesso à Internet no Brasil, o Ministro Kassab ultrapassa em muito a capacidade do SGDC-1. O que o satélite pode, é levar o sinal de banda larga para qualquer ponto do Brasil, conforme análise do Jornalista Samuel Possebon, do site Teletime. Quanto à quantidade de domicílios atendidos em cada um desses pontos, as limitações são muito mais restritas. Conversa de pescador (pra ficar entre os interessados em “satélites”)!
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