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OS ENCANTOS E OS NOVOS CANTOS DA DISNEY

O que seria uma história tipicamente brasileira para a Disney+? O resumo mais objetivo dessa resposta seria uma história que vende bem. Pode não parecer elegante. Cecília Mendonça, vice presidente de produções originais da empresa, preferiu fazer elogios mais centrados na criação e produção das tramas, sem considerações de cunho comercial. Foi no final do mês passado quando lançou “Tudo Igual… SQN”, a primeira produção original nacional da Disney+.

Baseada no romance “A Porta ao Lado”, da brasileira Luly Trigo, a série trouxe como feedback “pessoas se reconhecendo nas personagens”, o que chamou a atenção da gigante americana. Cecília Mendonça afirma que o Brasil estaria entre as prioridades da Disney+ como centro de produções nacionais, com potencial para correr o mundo no serviço de streaming. A expectativa é trabalhar com “histórias mais profundas”, o que seria um outro atributo de destaque nas produções brasileiras. A brecha desse “aprofundamento” estaria justamente no serviço de streaming uma vez que, “os valores da nossa marca”, segundo Cecília, são muito claros: “É uma marca otimista, nossas histórias têm sempre uma redenção. Não é uma moral da história, mas algo a aprender com o que aconteceu, uma mensagem positiva.”

A executiva não fez uma comparação direta. Mas a dramaturgia brasileira costuma buscar tramas mais realistas, mais engajada em questões polêmicas, que não caberiam nesse formato Disney. Ela deixa claro que a empresa não abre mão dessa “marca”, mas nas séries seria possível mostrar um pouco mais dos momentos difíceis que precedem a tal mensagem positiva. Então preparem-se para conhecer heróis comportados dos morros cariocas, da periferia paulistana, do mangue, da caatinga, dos garimpos.

Insistindo numa análise mais empresarial, as palavras da executiva da Disney+ permitem tirar algumas conclusões que podem ser testadas em breve. Cecília Mendonça falou que séries da América Latina têm surpreendido pelo sucesso alcançado tanto nos Estados Unidos como na Europa. Daí a maior atenção para o continente. Mas, na verdade, isso é antigo.

Há décadas o Brasil tem levado muitos protagonistas marcantes para a memória de muitos países. Lucélia Santos, em “A Escrava Isaura”, entreteu a China na década de 1970. Foi uma produção de época, bem no estilo Disney, onde o bem e o mal são divididos claramente e a virtude vence ao final. Mas outras novelas e séries, com a profundidade que a Disney só admitiria no streaming, também tiveram passagens marcantes em dezenas de países. Quer dizer, é possível supor que a Disney quer aprender com o Brasil como se faz séries.

A macro estrutura de Hollywood tem o DNA de grandes produções. A TV americana também produz muitas séries porém, com personagens claramente desenhados do começo ao fim. Tem a turma do bem, a turma do mal, os frágeis, que às vezes agem erradamente, mas se redimem. Os personagens mais complexos, que se transformam, tinham lugar nas superproduções, em enredos mais elaborados. Enquanto isso, no Brasil, as telenovelas mantêm cenários e elenco por meses, com trabalho todo dia. Os destinos de cada personagem muitas vezes foram decididos a partir do Ibope. E a criatividade dos autores se encarrega das metamorfoses ambulantes a serem engendradas. Muito mais baratas para produzir e sempre preenchendo um tempo de exibição que rende um retorno altíssimo. Parece a fórmula ideal para os tempos de streaming, onde a demanda excede em várias vezes as 24 horas diárias possíveis num número limitado de canais lineares, abertos ou por assinatura.

Por enquanto, Hollywood está dando conta do outro lado da digitalização. É o cinema fantástico, cheio de efeitos especiais, que admite até a lua caindo em cima da Terra. O cinema de animação e outras modalidades que exigem muita tecnologia para produção, mantêm um apelo forte. Turbinados também pelo mundo game. Mesmo assim, o principal tende a ser o material humano. Afinal, pelo que se viu nas últimas décadas, o destino de toda impactante novidade digital é acabar no máximo num periférico do pc.

Para mais seduzir o streaming internacional, o Brasil é um dos maiores mercados de vídeo do mundo. Se não estiver entre os 3 maiores, está entre os cinco. E a novela, a série, fazem parte do hábito nacional. Sem contar que nossas fronteiras cercam fragmentos de várias realidades, com toda a profundidade imaginável. Desde o luxo do chamado primeiro mundo até os dramas da pobreza africana. Portanto, luzes, câmeras, … ação!

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