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JOGA EM CIMA DA GENI

Tentaram inventar um mundo livre e veja só no que deu. “Tudo bem, nem é real, são só palavras, imagens, vozes.” De fato, a Internet não pode tirar ninguém de onde está e levar a algum lugar perigoso e chocante. Mas provou na prática que é muito pior levar esses lugares e pessoas ameaçadoras até muita gente, ao mesmo tempo. Os milhares de delegacias contra crimes cibernéticos pelo mundo real que o digam. Pela Internet se rouba dinheiro, privacidade, reputações. Gera-se rancores, amores, famílias. A Primavera Árabe, movimento espontâneo iniciado pela Internet, derrubou em cascata antigos regimes antidemocráticos do Oriente Médio. Até dar de frente com o apoio militar russo na Síria e deixar para a Europa a crise dos refugiados.

Ainda bem que o lado bom do mundo real trouxe muito mais coisas boas para a Internet. Compensa disparado toda a “neura” virtual. A questão é que a Internet, cada vez mais, vai ser um lugar onde se deve ter muito cuidado. Porque num mundo livre tem que ter mais responsabilidade. Mas, quem!? Esse planeta abstrato ultrapassa fronteiras nacionais, costumes e autoridades. Ele tem poderes sobre esposas, sobre maridos, sobre filhos, é um personagem novo e imprevisível na vida da maior parte das pessoas. Quem responde por ele?

Se você está pensando em procurar no Google mais essa resposta, pode esquecer. A Google Brasil Internet Ltda. está sendo alvo de uma ação civil do Ministério Público Federal por, supostamente, não saber de suas responsabilidades perante crianças e famílias brasileiras. O centro da polêmica é a plataforma de vídeo YouTube, de propriedade da Google.

NINGUÉM TEM NADA COM ISSO

O Ministério Público, em nota, aponta a materialidade da culpa em vídeos postados por particulares, tendo como apresentadores crianças de até 12 anos. “As crianças não têm maturidade suficiente para discernir entre fantasia e realidade ou para resistir a impulsos consumistas.” E continua: “Quando atingem grande número de visualizações, os youtubers mirins tornam-se pequenas celebridades. Em decorrência dessa exposição, acabam atraindo a atenção do mercado, que as faz atuar como promotoras de vendas, protagonizando anúncios comerciais de produtos dirigidos ao público infantil”.

Hmm! Até aqui temos como personagens “particulares” que postam vídeos, o “mercado”, que cresce os olhos sobre as celebridades mirins e “produtos dirigidos ao público infantil”. Mas parece que o MPF não está preocupado com eles, a culpa é da Google…

Antes mesmo da notificação oficial, a empresa veio a público para dizer que o YouTube é uma plataforma aberta, para o público adulto, e o uso para crianças deve ser orientado e acompanhado pelos pais. Na ação, o Ministério Público Federal pede algo nesse sentido, que tenha um aviso na página inicial do YouTube, lembrando a proibição de veicular merchandising ou propaganda de produtos ou serviços destinados a crianças, ou usá-las na promoção desses anúncios. A plataforma de vídeo precisaria ainda disponibilizar meios para que qualquer internauta pudesse denunciar a presença desses “abusos” em qualquer vídeo do canal. Será que é só isso que a ação do MPF pretende?

MUITO MAIS DO QUE 15 MINUTOS DE FAMA

Nos últimos anos o Brasil tem enfrentado um período tenso pela afirmação da primazia da lei sobre os interesses privados. Isso é salutar, historicamente relevante. Tanto que tem gerado uma notoriedade estrondosa para alguns personagens dessa batalha.

Por outro lado, diante da busca crescente da Justiça para qualquer litígio, os próprios magistrados e procuradores têm promovido campanhas, orientando as pessoas a buscarem acordos, antes de sentenças judiciais. Um dos instrumentos para ajudar a conversar mais, antes de brigar, é o famoso TAC – Termo de Ajuste de Conduta. É um documento, onde o representante do Ministério Público pactua, com a parte desajustada, os termos para se chegar à conformidade com a lei. Não seria o caso de primeiro propor esse caminho para o YouTube?

A Internet é um fenômeno ainda recente para a humanidade e estamos aprendendo a utiliza-la enquanto a construímos. Só isso já suscita o caminho da conversa. Mas o Brasil, que já se recusou a assinar alguns tratados internacionais sobre a grande rede, alegando zelar pela soberania, tem os juízes e promotores mais injuriados com ela! Para quem gosta, é um quixotismo de máxima repercussão. Porém, com a colateral e indesejável impressão hipo-civil sobre os nativos desta Pátria.

Se as instituições não conseguem cobrar responsabilidades objetivamente previstas em lei, há muitos anos, sobre pais, sobre fabricantes de produtos e intermediadores de vendas, por que agora o mundo livre da Internet é o culpado? Na melhor das hipóteses é uma lamentável preguiça por parte da instituição encarregada de cuidar do grande pacto legal que sustenta nossa sociedade. O Império da Lei, que o Brasil só agora parece começar a trazer para os filhos deste, precisa se firmar a partir do solo-mãe-gentil, real e tangível. Só assim haverá um exemplo concreto para edificar o penhor dessa igualdade nos fugazes bits.

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