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DESBRAVAR O BRASIL PELO AR

Quando começou-se a falar em TV digital no Brasil o grande público ainda não tinha se dado conta da dura realidade do setor. Foi só mexer na transmissão para perceber que, numa parte significativa do território nacional, nem TV analógica existe. Ou, se existe TV, falta RTV – Retransmissora do sinal de TV terrestre (que não vem direto do satélite). Milhões de brasileiros ficam a-ver-navios na hora de ver novela ou noticiário. Com certeza, você já viu várias RTVs. Normalmente são torres altas, onde tem daquelas antenas tipo painéis, slots, parabólicas, entre outras mais mirabólicas. A função de uma RTV é expandir o sinal de uma emissora – ou geradora, como preferir. No padrão tecnológico legal a potência do sinal garante boa qualidade até alguns quilômetros de distância. A partir daquele limite o que chega da geradora precisa de uma RTV, que padroniza novamente o sinal, fortalece e emite por mais alguns quilômetros adiante. E é de RTV em RTV que se forma uma ampla cobertura.

Essa grande rede nacional foi construída aos trancos e barrancos. Tinha localidades em que o público a ser atendido era pequeno, não interessava comercialmente, então nenhuma emissora investia em RTV naquela região. A qualidade do sinal ficava ruim, o povo reclamava. Em muitas cidades a pressão dos eleitores fez prefeitos investirem verbas municipais para construir RTVs. Foi assim que as RTVs chegaram a grande parte dos mais de 5 mil municípios espalhados pelo Brasil.

Agora, com a nova tecnologia, tem que mandar também o sinal digital. O equipamento de retransmissão para cada geradora instalar nas RTVs não é barato e, até determinada data, a lei exige que se mantenha os dois sinais, o analógico e o digital. Mas cadê os técnicos capacitados para fazer essa instalação? Uma RTV costuma funcionar sozinha. Muitas vezes fica sem a visita de um técnico por meses, até pela falta desses profissionais. No começo deste mês Daniel Slaviero, presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) alertou para a necessidade de se resolver essa situação. Ele acredita que não haverá como fazer o switch-off (desligamento definitivo) da TV aberta analógica, se não houver uma solução para as RTVs.

NÃO É POUCA COISA

Hoje existem cerca de 22 mil RTVs pelo país, muitas delas em locais isolados, contando no máximo com um zelador. Empresários do setor afirmam que não há condições técnicas para instalar o sinal digital em todas nos próximos dois ou três anos. Deve precisar de mais de cinco. Há quem questione. A única certeza é de que o custo dos equipamentos importados explodiu com a alta do dólar. E muitos deixaram para comprar na última hora, contando com o dólar estável. Por fim, tem a burocracia pra atrapalhar. A ABERT diz que 29 RTVs com todo o equipamento digital já instalado estão desligadas, aguardando apenas a liberação ministerial.

Outra preocupação da ABERT é zelar pelo modelo de negócio das emissoras. A ameaça vem de RTVs que não são nem de geradoras, nem de prefeituras. São de empresários que construíram torres com toda a infraestrutura e alugam para as geradoras instalarem as antenas. Na Amazônia Legal, onde a densidade populacional é muito baixa, o governo permite que até 15% do tempo de programação sejam gerados de um microcomputador conectado na RTV. Ela se torna uma mini geradora e a propaganda veiculada localmente fica muito mais em conta. O comércio da redondeza paga para anunciar e o dono da RTV tem mais receita. Existem hoje no Congresso Nacional vários projetos propondo estender essa possibilidade para RTVs de todo o Brasil. A ABERT afirma que essa micro concorrência espalhada pode desestruturar o negócio das emissoras regulares.

PENSAR NUNCA É DEMAIS

Os entraves legais possivelmente seriam muitos para autorizar a mini geração diretamente de RTVs. Mas a proposta deve ser estudada com mais carinho. Geração local é uma tendência muito antiga, limitada não apenas pela lei, mas principalmente pela tecnologia. Quem tinha uma câmera de vídeo em casa há 30 anos? Hoje todo cidadão tem uma, no próprio celular. A qualidade da imagem é superior à exibida no sinal analógico e qualquer notebook pode se transformar numa ilha de edição simples, instalando um software apropriado.

Uma boa oportunidade para testar a ideia seriam as próximas eleições municipais. No horário da propaganda eleitoral as RTVs mais distantes não podem veicular nada, porque o programa que chega da geradora é apenas dos candidatos da maior cidade da região. Pode confundir o eleitor das pequenas cidades. Esse tempo ocioso poderia ser oferecido aos candidatos das cidades menores, que produziriam pequenos programas.

É bom lembrar que a geração da RTV traz clientes que jamais teriam condições de anunciar em toda a região da emissora. É difícil chamar de “concorrência” esse mercado minúsculo. Pode ser apenas uma questão de encontrar espaço na grade. Outra coisa a ser discutida seria a participação das emissoras no lucro da RTV privada. Afinal elas já investiram mais de R$ 6 bilhões na digitalização aqui no Brasil. Nas retransmissoras próprias, essa situação já estaria solucionada. O caminho começa por pensar livremente, sem preconceitos.

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