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A TV QUE TODO MUNDO VÊ, MAS QUASE NINGUÉM CONHECE

Há quase 50 anos a simples presença de um televisor em um domicílio dizia muita coisa sobre entretenimento e informação naquela casa. Aquele aparelho tinha uma única forma de ser utilizado. Dez anos mais tarde, com o videocassete, cresceu a quantidade de conteúdo possível num televisor. Hoje a telinha doméstica pode servir para tanta coisa que até deu um olé no IBGE. Alguns dados da PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios podem truncar a interpretação sobre o uso atual da TV.

Os dados se referem ao ano de 2022 e, no quesito sobre “TV por assinatura”, tem uma discrepância de mais de 40% com os dados da Anatel. O surpreendente é que, dependendo do ponto de vista, nenhum dos dados está completamente incorreto. Uma análise feita pelo site TelaViva, a partir do questionário do IBGE, destacou duas perguntas. A primeira é, textualmente: “Este domicílio possui serviço de televisão por assinatura?”. A resposta “sim” aparece em 27,7% dos lares. Para efeito de comparação, no ano de 2014, que marcou o apogeu da TV por assinatura no Brasil, essa porcentagem era de 29,8% dos lares. De lá para cá, ano a ano, houve quedas significativas nas assinaturas. A qualidade da TV digital, e principalmente o streaming, que chegou com a Netflix, devem ter contribuído muito para isso. Se as operadoras sentiram fortemente a queda de assinantes, a pirataria teria sido o principal fator que amenizou o impacto em muitos dos lares com resposta “sim”. O serviço está lá, se regular ou não, é outra história. Se a pergunta teve por objetivo saber a penetração popular da TV por assinatura, o número não deve estar tão distante da realidade. Mas para a Anatel, que acompanha mês a mês o número de contratos ativos, a porcentagem é de 17,5%. Uma queda em torno de 9 milhões de domicílios em 8 anos.

A mesma análise destacou uma outra questão, que aparece no questionário mais para frente. Textualmente, a pergunta é: “Este domicílio tem acesso a serviço pago de streaming de vídeo como Netflix, Amazon Prime Video, Disney+, Globoplay etc.?”. Ora, a questão coloca com muito mais clareza o que exatamente se quer saber. Na pergunta anterior, nomes de operadoras não foram citados. Daí surge a suspeita que, numa pergunta inicial sobre serviços de TV, muitas pessoas poderiam confundir “TV por assinatura” com Netflix. É bem plausível que os dois fatores tenham influenciado, em maior ou menor escala, as respostas que justificariam tanta discrepância. Um bom assunto para o IBGE pensar quando elaborar novas pesquisas. Mesmo porque, quando chegar a TV 3.0, vai ser mais difícil saber de onde vem o que a tela exibe.

A TV hoje é uma indústria gigantesca, cujos números surpreendem a cada ano. Na referida pesquisa da PNAD, divulgada na semana passada, a quantidade de domicílios com pelo menos um televisor no ano de 2022, em números absolutos, foi de 71,5 milhões. Porém, o aumento de televisores de um ano para outro foi inferior ao aumento de novos domicílios. A proporção diminuiu. A TV aberta, gratuita, continua muito presente, mesmo que a média de horas diárias seja dividida com serviços pagos. Ou seja, no total de televisores, a proporção dos que acessam habitualmente os canais gratuitos é de 91,6%. Em 23,5% a programação chega por antena parabólica.

Quanto à tecnologia dos aparelhos apenas em 9,2% dos lares com TV a programação só é exibida naqueles televisores antigos, de tubo. Em todos os outros que têm TV, existem aparelhos do tipo tela fina (LCD, LED ou plasma). Os serviços de streaming, como Netflix, Amazon Prime e Globoplay, continuam em alta.  Estão quase na metade dos lares que têm televisores, mais precisamente em 43,4%. Para muitos, chamou a atenção o fato de que mais de 10% desses clientes de streaming não sintonizam canais lineares, nem abertos ou por assinatura. Só assistem ao que escolhem nos catálogos de filmes e séries. A pesquisa não trouxe dados a respeito, mas em boa parte das horas diárias de uso, as telas de televisores são usadas com videogames.

Se antes os televisores do mundo todo eram aparelhos à disposição de emissoras de TV, abertas ou pagas, hoje eles são disputados por outras indústrias do audiovisual. Esse movimento tende a crescer, inclusive em sofisticação. Aí está a brecha por onde a pirataria entra. Mas apenas nos lares que a aceitam. É assim que são lesadas várias empresas, empregos formais são extintos, e muitos consumidores têm dados roubados, inclusive de acesso às contas bancárias pessoais. Quem não vê nenhum problema nisso deve considerar, pelo menos, o fato de que a pirataria de vídeo, em grandes municípios brasileiros, é uma modalidade de crime praticada pelas mesmas quadrilhas do crime organizado mais violento do país.

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