sexta-feira, 26 de janeiro de 2018
As diferenças entre um tuner (sintoniza sinal aberto de rádio ou TV) e um modem (sinal de Internet) já foram enormes. A distância pode não ter diminuído tanto em seus projetos, mas em termos de suprimento, hoje são igualmente acessíveis. A escala de produção de modems possivelmente já ultrapassa a produção de tuners.
Isso é apenas um dos sinais de uma disputa que está entrando em sua batalha decisiva. De um lado, a TV digital aberta e, de outro, as mídias sociais.
Um estudo divulgado na semana passada aponta as tendências das mídias sociais para este ano na América Latina. Entre os destaques, o faturamento recorde no ano passado, projetando números maiores para 2018. E a necessidade dessas empresas investirem em plataformas de áudio e de vídeo. Quem assina o estudo é a Kantar Ibope Media, divisão regional da principal especialista em inteligência de mídia no mundo. É a Internet se preparando para ficar mais parecida com a TV.
Enquanto isso, lá na Coreia do Sul, onde vão começar as Olimpíadas de Inverno, a Next Gen TV (NGTV) vai tentar mostrar ao mundo que pode oferecer todas as vantagens que os anunciantes encontram na Internet. Vai ser a estreia global da TV digital aberta ATSC 3.0, nome técnico da NGTV. O sistema foi desenvolvido numa parceria da NAB, a associação americana de emissoras abertas, com empresas coreanas de hardware. Por isso o evento esportivo, que acontece em fevereiro em Pyeongchang, foi escolhido como palco ideal para o novo sistema ser apresentado ao mundo.
Para o telespectador, a NGTV oferece imagens em UHDTV (4K) com HDR, áudio imersivo e serviços interativos, dentre outros requintes tecnológicos. E para os anunciantes dá a possibilidade de obter o perfil de cada telespectador, podendo direcionar a publicidade certa para cada um deles durante o intervalo comercial. O sistema foi aprovado oficialmente em novembro de 2017 pelo governo americano e está disponível aos radiodifusores de lá em caráter opcional. Põe no ar quem quiser.
A REGULAMENTAÇÃO MAIS PRÓXIMA DA REDE
O avanço das mídias sociais, principalmente a partir do surgimento dos smartphones, conferiu a elas uma estatura comercial digna de enfrentar o antigo hábito da TV – aberta ou por assinatura. Porém, a diferença no nível tecnológico entre os tipos de computadores que estão na praça, e também entre as gerações de celulares, é uma dificuldade encontrada em determinadas regiões do planeta, como a América Latina. Incluem-se aí a qualidade da banda larga e outras precariedades de acesso.
A gradativa superação desses gargalos coloca a universalização das plataformas de voz logo em seguida, como importante horizonte a ser alcançado pelas mídias sociais. O estudo da Kantar aponta a voz como fundamental para a interatividade entre os consumidores e as marcas – que anunciam nas mídias sociais. E é aí onde entra também a Inteligência Artificial. É através dela que bots vão poder levar mais facilmente aos clientes os conteúdos personalizados, tão eficientes nas estratégias publicitárias.
Os conteúdos em vídeo, outra tendência apontada pelo estudo, estariam mais na mira das mídias sociais do tipo rede, caso do Facebook, Instagram, Google Plus e outros. O desafio é a construção de um modelo de programação, possivelmente baseado numa mistura do que se tem na TV aberta, mais os streamings do tipo que hoje se vê pelo YouTube, e o OTT (Netflix), que proveria um conteúdo premium.
A parte mais complicada para as mídias sociais é o enfrentamento da questão da privacidade. Um outro estudo da Kantar já apurou que o cidadão tem consciência de que paga, com seus dados pessoais, parte do preço para se manter conectado com o mundo. Por outro lado, o medo crescente de uma exposição indesejada, poderia levar uma parcela dos consumidores a fugir das eventuais interações, o que põe a perder boa parte do esforço comercial dessas mídias.
A proteção de dados, que não deixa de estar relacionada à privacidade, passa a ser uma questão mais séria ainda a partir de maio. É quando entra em vigor, na União Europeia, o GDPR – General Data Protection Regulation. A tão exaltada “liberdade da Internet” vai se encontrar mais de perto com as responsabilidades. Essa regulação protege os dados gerados em publicações dos usuários nas mídias sociais. Prevê multas elevadas para quem não respeitar as normas.
Por último o estudo aponta a tendência de apertar o cerco contra as fake news. A preocupação das grandes redes sociais, como o Facebook, é combater principalmente os anúncios, como os que foram contratados por russos durante a última campanha presidencial americana. O algoritmo do feed de notícias também deve ser aprimorado para rastrear indícios de falsidade nas publicações.
O LOCAL E O GLOBAL
Nessa disputa que TV e Internet travam pelo anunciante, a última está mais na posição de franco atirador. Ela chegou como um avanço da humanidade, para ser mantida até pelos orçamentos públicos, se necessário. Em pouco tempo engoliu espaços grandes de todas as mídias existentes e continua avançando, em ritmo cada vez maior, sobre toda a comunicação humana. E não humana também. Trouxe novas formas de negócios e viabilizou uma publicidade mais barata para todos e muito eficiente. Por isso e muito mais, muita gente pode até especular sobre o fim do mundo. Mas essa seria a única hipótese para se falar no fim da Internet.
Já a televisão é passível de desaparecer sumariamente. Particularmente a TV aberta, cada vez mais uma atipicidade no espectro eletromagnético. Ali, naquele precioso oceano de frequências, por onde fluem as ondas da telefonia móvel, dos dados, uma imensa avenida, com faixas de 6 MHz, abre o tráfego para o sinal do principal lazer da população mundial.
A NGTV é um sistema híbrido. Ela chega para colar no tradicional tuner um sofisticado modem. A TV aberta passa a ser uma mídia social “turbinada” por um tuner, que preenche algumas carências da Internet. Vai manter a possibilidade broadcast na mídia eletrônica e assim vai sustentar o estilo “retrô” de programação consagrado no mundo todo. E com boa parte dos atrativos da Internet, tudo num só aparelho.
Em princípio, com essas qualidades a TV aberta só não supera as TVs pagas porque ocupa espaço no espectro eletromagnético. Está em faixas de frequências concorridas e, em 2023, o uso do espectro vai ser repensado para o mundo todo. Se os anunciantes estiverem contentes com a TV aberta, as chances de continuar no ar aumentam.
Para o público em geral a TV aberta oferece pelo menos um diferencial de natureza “cidadã”. É a produção local ou microrregional – desde que de qualidade – tanto cultural como jornalística. Nas TVs por assinatura e nas mídias sociais esse espaço existe, pode até crescer, mas jamais terá o vigor abrangente que só o broadcast pode disseminar.
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