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O BRASIL NAS ALTURAS

Imagine qual foi o principal assunto num evento internacional de tecnologia, nesta semana, em Washington? O Brasil! Mas ninguém vai ficar orgulhoso em saber os motivos.

Foi no principal encontro sobre tecnologia de satélites do mundo. E lá, entre as maiores empresas do setor, a Telebrás foi colocada como suspeita de uma negociata. O fato envolveria também uma das empresas participantes do evento, a ViaSat, de capital americano, que teria sido beneficiada.

Embora já tenha um pedido formal de esclarecimento à Telebrás, por enquanto a questão está fora dos tribunais. Porém, analistas acreditam que, dependendo da resposta que for apresentada, pode haver judicialização.

A questão é relacionada ao SGDC – Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicação, lançado em maio do ano passado. Trata-se do primeiro satélite totalmente controlado pelo Brasil. Ele foi projetado para cobrir todo o território nacional e construído na França, com o acompanhamento de técnicos brasileiros. Trinta por cento da capacidade do satélite são dedicados à Defesa e estão sob operação militar.

O restante dependeria de empresas interessadas em explorar comercialmente os 60 Gbps de banda ka. Lançado o edital, a empresa vencedora construiria toda a infraestrutura em terra para utilização do sinal do satélite. Teria ainda de disponibilizar parte dos serviços para atendimento de programas educacionais e sociais, além do uso para instituições públicas.

O edital foi publicado e, no prazo limite, que encerrou em outubro de 2017, não apareceu uma única proposta. O satélite, que custou R$ 2,8 bilhões, tem embarcados combustível e equipamentos de operação que lhe garantem 18 anos de vida útil. Como já está em órbita, a cada dia são cerca de R$ 300 mil perdidos, pois os recursos civis que ele oferece não são captados em terra.

Mas a Telebrás teria encontrado na Lei das Estatais – 13.303, de 2016, uma forma de contratar diretamente uma empresa para prestar esses serviços, uma vez que não houve manifestação de interesse no prazo do chamamento público. A preferida foi a americana Viasat. Ninguém sabe ainda as condições que o Governo ofereceu à empresa, que há menos de 6 meses não se interessou em concorrer nas bases exigidas no edital. Tudo muito estranho.

FALA BAIXO POIS É SEGREDO

Tudo que diz respeito à operação civil do satélite sempre esteve nebuloso. Esse teria sido um dos motivos de não haver empresa interessada em trabalhar nas bases apresentadas no edital. No mercado de telecomunicações comentava-se que faltavam definições a respeito do PNBL – Plano Nacional de Banda Larga, incluído no edital. As potenciais interessadas teriam ficado receosas em assinar um contrato que envolveria contrapartidas ainda não definidas.

A operação do SGDC vai viabilizar o programa Banda Larga para Todos, que o Ministro Gilberto Kassab quer ter acrescido ao seu portfólio político. O programa já teve adesão de quase 2.500 municípios, em evento solene realizado no início da semana, em Brasília.

O Banda Larga para Todos deve disponibilizar serviço de banda larga mais barato porém, apenas para “comunidades em estado de vulnerabilidade social, localizadas em áreas rurais, remotas e nas periferias urbanas”, ou outras “localidades onde inexista oferta adequada de acesso à internet em banda larga, identificadas pelo MCTIC”. Como seriam identificadas essas localidades, ninguém explicou. Para operação local será necessário contar com “prestadoras de serviços de telecomunicações que demonstrem capacidade de atender às localidades”, mas não estão definidos os critérios que atestem a “capacidade” exigida. Aliás, o valor do serviço de banda larga “mais barato”, por enquanto, só está definido como “preço justo e razoável”. Quanto é isso em reais, ninguém sabe.

Nenhuma outra empresa do setor teria sido consultada sobre eventual interesse em operar nas novas condições, oferecidas no acordo com a Viasat. E, ao divulgar o “fato relevante” do acordo, a Telebrás informou que os equipamentos começariam a chegar em 2 dias, o que tecnicamente teria demandado um período razoável de acertos prévios.

A Viasat não tinha operações no Brasil e agora representa uma ameaça para as concorrentes que já estão por aqui há tempos. Por isso o SindSat, que representa essas empresas, foi à Telebrás pedir detalhes sobre o acordo, inclusive para “preservar o equilíbrio das condições competitivas no mercado brasileiro”. Só como exemplo, o custo da banda larga em ka, que é a banda civil de operação do satélite, pode ficar até em um décimo do custo das outras tecnologias utilizadas no Brasil.

Há rumores de que a Viasat vai ficar com 60% da capacidade civil do SGDC e a Telebrás com os 40% restantes. Com quem ficariam os grandes clientes governamentais? Quais outros serviços que a Viasat vai explorar aqui no Brasil? Esperamos saber em breve.

GANHAR MAS NÃO LEVAR

É o que pode acontecer com “os que mais precisam”, segundo a classificação governamental. A falta de transparência do programa Banda Larga para Todos pode estar escondendo carências, que tornariam impossível o atendimento prometido com o uso do satélite. Em artigo de Samuel Possebon, publicado no site Teletime, o Jornalista confronta dados para equacionar promessas e efetiva capacidade operacional.

Por enquanto não está estabelecido se vai haver franquia na contratação dos serviços e sequer se uma velocidade mínima vai ser exigida. A fiscalização da qualidade dos serviços não tem parâmetros fixados.

A viabilização dos “preços justos e razoáveis” pode balançar, uma vez que o Governo Federal anuncia isenção de ICMS, que é um imposto dos estados. O Ministério afirma que isso faz parte de um acordo firmado em 2007, para desonerar o Gesac – Governo Eletrônico e Serviço de Atendimento ao Cidadão. Como o Banda Larga para Todos é o nome atual do Gesac, com alterações, o entendimento da pasta é de que todos os acordos anteriores continuam valendo.

Na verdade, tudo está muito diferente. O Gesac foi criado por lei aprovada em 2002 para que o Governo oferecesse acesso à Internet em pontos públicos fixos. Alguns sites de serviços do governos eram franqueados, no caso de outros conteúdos era cobrado o acesso. Nesses termos, o Confaz – que reúne as secretarias da fazenda dos estados – deliberou em 2007 que os estados não cobrariam o ICMS dos acessos nos pontos do Gesac.

Já o Banda Larga para Todos surgiu de uma portaria do ano passado, que incluiu no Gesac a possibilidade de credenciamento de empresas privadas para oferecer banda larga mais barata. O Ministério entende que a isenção de ICMS pode ser transferida para essas empresas. Será?

Por fim, considerando a capacidade do satélite, os 2,5 mil municípios que já aderiram e a previsão de atendimento de 30 mil localidades no Brasil – entre bairros periféricos e zonas rurais – é bem provável que o programa alcance em torno de 50 mil assinantes. A capacidade civil do satélite seria insuficiente para essa demanda em banda larga. Isso sem contar a promessa de atender, além do programa, as escolas públicas e a rede do SUS em todo o país. Aí é que a conta não bate, mesmo. E olha que a matemática não costuma errar!

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