sexta-feira, 17 de agosto de 2018
O aquecimento global é um dos raros entes da atualidade que faz jus ao sobrenome. Os demais “global” estão mais para apelido da mídia, não são exatamente aquele global raiz. Economia global, moda global, tendências, nem petróleo pode ser chamado de combustível global. Pois 33% da população mundial ainda usa madeira como a principal fonte de energia. Aqui no Brasil só na Década de 1970 o petróleo passou a ser uma fonte de energia mais importante do que a boa e velha lenha.
Daí que o Facebook também não é tão planetário assim. E o principal motivo é que ele não entra na China, onde hoje vivem quase 20% dos habitantes da Terra. A gente aqui contemplando o umbigo e muitas vezes se esquece de que, somando a população da China com a da Índia, passa com folga um terço da espécie humana. Só dois países, existem quase 200 pelo mundo. Que coisa! E olha que hoje não dá para dizer que não tem televisão por lá.
O mais significativo nessa conversa é que a China é a segunda maior economia. A taxa de crescimento dessa economia é bem maior do que a americana, que (ainda!) é a nação mais rica em nível global (raiz, no caso).
Os mandarins não têm exatamente um “Facebook”. Por lá essa interação virtual entre as pessoas acontece de um jeito muito mais centralizado. A grande rede social chinesa é uma evolução do chat, cujo nome popularmente se pronuncia weixin. No “registro”, o aplicativo chama-se WeChat.
Nasceu de uma cópia do pioneiro ICQ. Como negócio, patinou no prejuízo durante quatro anos mas contou com a conhecida “reserva de mercado” chinesa e apoio financeiro estatal, erguendo um conglomerado poderoso chamado Tencent. O valor de mercado hoje ultrapassa o do Facebook. Muito mais ainda que os similares ocidentais, é a quantidade de ferramentas disponíveis no aplicativo chinês.
Por exemplo, pelo Facebook até dá para procurar um emprego, ou uma namorada. Pelo WeChat, também pode. E ainda pedir uma refeição, chamar táxi ou mesmo fazer compras online. Já é algo mais. Tem outras ferramentas que tornam o principal aplicativo da Tencent um acesso completo a vários bancos. Puxa vida! Porém, tirar um documento de identidade e até se divorciar, não é coisa que se espere de uma rede social. Pelo WeChat, qualquer chinês consegue, além de vários outros serviços.
LIÇÕES DE BENCHMARK, VINDAS DE ESPECIALISTAS
Entenda por “… além de vários outros serviços” não apenas os que já são oferecidos na plataforma WeChat, mas muitos outros que ainda virão. Pois este é o negócio da Tencent: lucrar com os serviços que ela disponibiliza aos usuários, cobrando uma taxa por isso. Por exemplo, um corte de cabelo agendado por meio do WeChat vai render 10% do valor do corte para a plataforma.
Um estudo da Golden Sachs, citado pelo portal UOL, concluiu que o WeChat, enquanto negócio, é uma plataforma de distribuição. Um canal ideal para conseguir serviços mais práticos e eficientes, também para dar visibilidade à novidades que são lançadas. Tanto que a publicidade, carro chefe do Facebook, é limitada no WeChat, para não poluir demasiadamente a experiência de cada usuário.
A versão mobile do Facebook estaria adotando essa mesma estratégia, segundo o entendimento de alguns especialistas. Digamos, um benchmark adotado por Zuckerberg, a partir de um produto do “reino” do benchmark mundial, a China. É por isso que a conversa entre usuários, ou seja, o chat do Facebook, teria migrado para o aplicativo Messenger, acessível aos dispositivos móveis. O Messenger permite que clientes instalem apps, para vender serviços aos internautas logados.
Tantos apelos pela inovação mas o sucesso financeiro dos negócios ainda depende muito de boas cópias ou, no mínimo, de alguma esperteza. Se nesse caso do benchmark do Facebook não há o que censurar, a história da empresa em si tem, na esperteza, um capítulo decisivo. Muito parecido também teria acontecido com o DOS, da Microsoft, na sociedade que deu origem ao McDonalds, no avanço espantoso da indústria chinesa. A lista é muito longa.
É mais ou menos como se, nos tempos de criança, alguém pegasse a sua bicicleta e conseguisse pedalar mais rápido do que você. Mesmo que um amigo lhe emprestasse outra, você não alcançaria o espertalhão. Daí a bicicleta passaria a ser dele e não mais sua. Com direito a condecoração do “diretor da escola”, como vimos ser enaltecidos por autoridades públicas, alguns desses “vencedores”.
Talvez esses lances curiosos no jogo empresarial estejam mais em evidência agora, nesses tempos em que os bilionários são mais conhecidos. No passado, quase ninguém conhecia os nomes que a revista Forbes divulgava no topo do poder econômico. Também pudera, eles vendiam petróleo. Ou outros minerais, commodities, coisas que a grande massa vai adquirir como matéria prima de vários produtos do varejo, depois do processamento em longas cadeias. Hoje é bem diferente, o que enriquece são tecnologias que as massas adquirem diretamente das marcas que produzem. Por isso os empresários que estão à frente desses negócios usam a própria imagem pessoal para promover seus produtos, gerar alguma empatia e mais credibilidade. Os ricos do passado precisavam ser discretos, não havia tanta exposição, o que pode ter feito algumas trapaças passarem em branco.
PODEMOS FAZER MELHOR
Se o global ainda está mais para apelido, mesmo assim muita gente está acreditando e investindo nele. Parece que depois da fase de descobertas de novas terras, da consolidação de estados e fronteiras, o poder não persegue mais o desconhecido, mas sim, formas de expansão sobre o que já é de domínio dos outros.
Nesse caso, ganha muito importância a experiência desse “intra planeta” China, onde se produz tudo que se possa imaginar, e tem um mercado interno capaz de sustentar qualquer negócio. Um micro-global por excelência. Quando grandes empresas de TI começam a projetar veículos com suas marcas, o Netflix adquire estúdios, o Facebook compra o Instagram e o WhatsApp, percebe-se uma tendência à expansão em nível global. Assim como a Tencent adquiriu algumas das maiores fabricantes de games de sucesso, um dos principais produtos que ela oferece.
O risco aí, mais uma vez, é do indivíduo. Ele está perdendo espaço para o consumidor, embora ambos sejam perfis de um mesmo ser. Depois do episódio Snowden, dos vazamentos do Facebook, das suspeitas sobre o Google, o que não pensar sobre os dados pessoais dos cidadãos chineses? Essas grandes corporações de TI são muito íntimas nos círculos do poder e a facilidade de transferência de dados em massa dificulta qualquer esforço de fiscalização.
Tudo isso nos faz pensar no mundo que vem por aí. Não se trata de uma ladainha derrotista, recalcada, sob uma atitude vitimista. É apenas mais um toque de alerta, para lembrarmos da importância prática que a ética terá de alcançar em nossos próximos dias.
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