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ENTRANDO EM ÓRBITA PARA INOVAR

Brasil vai operar satélite.

E lá se vão R$ 2,8 bilhões pro espaço…

Desta vez para felicidade geral da nação! O assunto é o primeiro satélite que vai ser controlado daqui do Brasil e deve entrar em operação no mês que vem. Até agora esse é o custo do SGDC – Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicação, lançado na semana passada da base de Kouru, na Guiana.

Para as telecomunicações um satélite geoestacionário funciona como uma super antena de 36 mil quilômetros de altura. Basicamente ele tem os equipamentos de uma repetidora e gira na mesma velocidade da Terra (velocidade angular). Por isso se diz geoestacionário, uma vez que ele fica parado em relação a um observador fixo em solo.

Com uma “antena” a essa altura é possível ter visada (ou visão, na linguagem não técnica) de qualquer ponto do Brasil. No caso das redes terrestres cada torre precisa ter visão de pelo menos duas torres: primeiro a que envia o sinal, depois a que vai receber a repetição do sinal. Assim vai, de torre em torre, até cobrir toda a área da rede. A 36 mil quilômetros de altura a visada permite enviar um sinal de TV, por exemplo, para um posto de saúde num ponto da selva amazônica. Ou para uma escola em Fernando de Noronha. Pode enviar também a comunicação via rádio de várias frequências e a Internet, principal ferramenta de comunicação no mundo atual. Sem dúvida, um instrumento de mil e uma utilidades para integrar polos de inovação de várias partes do país. Facilita ainda a vigilância das fronteiras e outras operações militares.

Por isso durante o lançamento, no dia 4 de maio, o que se ouvia do Presidente Temer e dos Ministros Gilberto Kassab (Ciência, Tecnologia e Comunicações) e Raul Jungman (Defesa) eram palavras e frases patrióticas do tipo “independência e soberania”. O Presidente Temer disse que “o satélite revelará o grande avanço tecnológico do País”, frase aparentemente enigmática, uma vez que a fabricação do satélite é francesa e o lançamento também não aconteceu em solo brasileiro, por falta de uma base operacional para tanto.

BENEFÍCIOS GARANTIDOS, CUSTOS QUESTIONÁVEIS

A partida do foguete Ariane foi um sucesso. Nesta semana o satélite deve abrir os painéis solares, mais uma etapa de apreensão. E, nos próximos dias vai atingir a órbita final, para então ser posicionado. Se tudo correr bem a empresa francesa Thales Alenia, fabricante dos equipamentos, começa uma fase de testes. Em junho o SGDC entra em operação. Deve se tornar um marco para as telecomunicações brasileiras.

Então tá, o satélite vai estar lá, sendo operado pela Telebras e garantindo muitos benefícios estratégicos e sociais para o Brasil. Mas não são poucas as polêmicas que envolvem este projeto, astronômico sob qualquer ponto de vista.

Especialistas afirmam que esses R$ 2,8 bilhões – ou cerca de US$ 900 milhões, no câmbio atual – representam três vezes o que se pagaria no mercado. O final do “apartheid digital”, anunciado entre as vantagens do satélite, não conta com nenhum projeto até agora relacionado a áreas carentes de infraestrutura. A “operação totalmente brasileira”, que garantiria a “blindagem” das comunicações nacionais, na verdade dependerá de parcerias da Telebras com empresas privadas.

Kassab prometeu “acesso à banda larga dentro de alguns meses” para 7 mil escolas públicas mapeadas por um convênio entre o Ministério da Educação e a Telebras. Haveria também o mesmo benefício para unidades de saúde em regiões afastadas e carentes. Porém, de acordo com o site “Tela Viva”, especialistas garantem que o uso dedicado da capacidade do Governo no SGDC permitira 2 Mbps para 5 mil escolas, no máximo. Convenhamos, uma velocidade muito baixa.

Porém, o capítulo que promete mais agitação é o leilão da maior parte da capacidade comercial do satélite para a iniciativa privada (a capacidade de Defesa está totalmente garantida para as forças armadas). A Telebras, que vai ficar com apenas 20%, disse que o leilão é necessário para viabilizar o projeto. Já se fala que o Governo vai pagar para essas empresas, por exemplo, para alcançar o atendimento da banda larga dentro das metas anunciadas para a Educação e para a Saúde.

ALCÂNTARA E AS TESES CONSPIRATÓRIAS

A baixíssima capacidade de gestão nas questões nacionais rende histórias que seriam cômicas, se não fossem trágicas. Temos silício de ótima qualidade mas não dominamos a tecnologia de purificação em grau eletrônico; temos as maiores jazidas de minérios para produção de aços especiais, mas exportamos ferro para comprar trilhos de trem fabricados lá fora. Dentre tantas outras contradições desse tipo, temos também o melhor espaço físico para lançamentos em órbita, mas precisamos pagar para lançar em outros países.

A tecnologia aeroespacial é importantíssima sob vários aspectos. O mais candente deles, sem dúvida, é o estratégico/militar. Um foguete que lança satélites é basicamente um míssil de longo alcance com uma estação repetidora no lugar das ogivas nucleares. Ele atinge uma velocidade próxima a 30 mil quilômetros/hora.

Santos Dumont não precisou inventar o aeroporto antes do avião, mas para quem pensa em desenvolver satélites, ter um “espaçoporto” nas condições favoráveis de Alcântara, é meio caminho andado. A pequena cidade maranhense é muito próxima da linha do Equador o que torna possível economizar 30% da energia necessária para colocar um satélite em órbita. Tivesse ali uma base, seria utilizada por vários países do mundo, gerando receita e uma aproximação tecnológica importantes para o desenvolvimento do setor aqui no Brasil.

Em 2001 os Estados Unidos propuseram instalar uma base em Alcântara, com a condição de que o Brasil não poderia, em hipótese alguma, fiscalizar o que seria lançado de lá.

Anos antes, em 1997, a Aeronáutica Brasileira tentou disparar um VLS – Veículo Lançador de Satélite. Alegando necessidade de segurança, em função de uma pane, foi detonado um artefato que desintegrou o foguete poucos segundos após o lançamento. O mesmo se repetiu em 1999, com outro VLS nacional partindo de Alcântara.

A nova oportunidade ficou para agosto de 2003 porém, num episódio até hoje nebuloso, o foguete explodiu em terra, 3 dias antes do lançamento. De lá para cá ficou essa fumaça no ar. Só no começo deste ano o então Chanceler José Serra voltou a propor o acordo com os Estados Unidos e acenou que aceitaria as condições americanas.

Mesmo com todo o otimismo oficial do último dia 4 de maio, Kassab disse que a operação de satélites é o primeiro passo para transferência dessa tecnologia. E previu, para “dentro de algumas décadas”, chegarmos à capacidade tecnológica para produzir um satélite. Décadas! Em termos de inovação, isso é praticamente “tempo geológico”.

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