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A INTEGRAÇÃO DA AMAZÔNIA COM O MUNDO

Se a Amazônia fosse um país estaria entre os maiores do mundo em extensão territorial. Ninguém pensa numa coisa dessas agora, mas na Internet, a maior floresta tropical da Terra pode passar a ter esse nome. O PAIS – Projeto Amazônia Integrada e Sustentável prevê a implantação de um cabo de fibra óptica sub fluvial ao longo de quase todo o leito do rio Amazonas, com extensões em alguns afluentes, possivelmente até com trechos marítimos.

O empreendimento é gigantesco, com mais de 6 mil quilômetros de cabos. Para efeito de comparação o EllaLink, cabo submarino que vai ligar Fortaleza, no Ceará, à cidade de Sines, em Portugal, terá 9,2 mil Km de extensão. O EllaLink está previsto para ser inaugurado ainda este ano.

À primeira vista pode parecer apenas um sonho regional. Porém, numa avaliação política mais minuciosa, o PAI tem o apoio de um “pai” obstinado e de grande peso no atual cenário do poder. É o senador pelo Amapá Davi Alcolumbre (DEM), atual presidente do Senado Federal e de grande influência junto ao Palácio do Planalto.

A ligação do senador com o empreendimento é visceral. O projeto detalhado já está pronto e foi entregue ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). A equipe de técnicos que trabalhou no desenvolvimento hoje faz parte do quadro de funcionários do gabinete do senador. Entre eles, Carlos Hetzel, ex-funcionário da Embratel. Ele conta que já faz “alguns anos” que o trabalho foi iniciado, com o objetivo de dotar a Região Norte do país com essa infraestrutura.

Outro fator que conta a favor do PAIS é a evidente importância estratégica, assunto muito sensível ao presidente Bolsonaro. O general Augusto Heleno, do GSI, seria um dos principais entusiastas do projeto no governo. A Amazônia Brasileira é uma região riquíssima em biodiversidade, em jazidas minerais e de destaque no mapa mundi pela importância climática. E é um território ainda muito vulnerável do ponto de vista de segurança.

FAZENDO AS CONTAS

Outros fatos recentes podem ser sinais da proteção política que circunda o projeto. Numa edição anterior deste blog foi publicado que já existem especulações para destinar ao PAI, parte das verbas do fundo de compensação social da TV Digital. A previsão é de que as sobras desse fundo cheguem pelo menos a R$ 700 milhões. A gestão desse dinheiro está nas mãos de um colegiado, o Gired, que reúne órgãos do governo, empresas de telefonia, redes de TV e outras organizações relacionadas. Diante das sondagens, membros do Gired anteciparam que só discutiriam a questão depois que a Anatel certificasse que todas as compensações da TV Digital foram cumpridas.

A resposta não demorou nada, veio na semana passada. O Gired foi à Anatel para informar oficialmente que aprovou o estudo relativo à região de Santa Cruz do Sul (RS), o último do país. Com isso, no Brasil, toda a faixa de frequência da antiga TV analógica está a alguns meses de ser liberada para outros usos nas telecomunicações. Daí, para a certificação da Anatel quanto às compensações, é para ser um caminho muito simples e curto.

O PAI está dividido em 7 etapas no Brasil, com um custo total estimado em torno de R$ 260 milhões. A primeira etapa, entre as cidades amazonenses de Tefé e Tabatinga, chegando quase à fronteira com o Peru, pode ser entregue ainda este ano. Os R$ 38 milhões para implantação de 950 Km de cabo sub fluvial já estão disponíveis. Eles vieram de uma emenda aprovada pelo senador Alcolumbre, de aportes dos ministérios da Educação, da Saúde e do MCTIC e ainda, do Conselho Nacional de Justiça.

A partir da segunda etapa as coisas começam a ficar mais difíceis e o dinheiro do Gired é, por enquanto, a principal alternativa no horizonte. A próxima será a maior etapa e a mais cara, com valor estimado em R$ 70 milhões, para implantar 2.260 Km de cabos. O PAI como um todo deve prosseguir até Macapá e Belém, com ramificações para Roraima, Rio Branco (AC) e Porto Velho (RO). Há ainda a expectativa de uma conexão com a cidade de Iquitos, no Peru e, na outra ponta, com a Guiana Francesa, pelo mar. Por enquanto, os trechos internacionais não estão nem orçados, vão depender de acertos com os outros países beneficiados.

UM DESAFIO DE PROPORÇÕES AMAZÔNICAS

Há algum tempo chegaram a ser implantados 600 Km de cabos sub fluviais pelo Exército, num programa denominado Amazônia Conectada. Era uma parte do que deve passar a ser a primeira etapa do PAI. No entanto o cabo já está fora de operação. De acordo com o site Teletime, que divulgou as informações, durante um período de seca o cabo ficou visível e atraiu a atenção das pessoas. Em vários pontos foram cortados pedaços.

Nos rios da região a movimentação das águas também é muito intensa, exigindo cuidados de manutenção que o Exército não conseguiu bancar. Como não há a necessária redundância para desviar o tráfego de dados dos pontos danificados, todo o investimento foi perdido.

Vários outros obstáculos naturais dificultam a implantação do cabo e a logística na região é bem complicada. Em alguns trechos ainda não há uma solução para implantar a redundância e a experiência do Amazônia Conectada mostra que isso não pode acontecer.

No Nordeste do país a RNP – Rede Nacional de Pesquisas está fazendo um modelo de conectividade semelhante, um backbone para redes de comunicação em geral. O projeto deve integrar o PERT – Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações, previsto para todo o Brasil. A RNP também deve se encarregar da manutenção do PAIS, pelo menos nos dois primeiros anos. A ideia é que, com o tempo, esse trabalho fique por conta de alguma empresa escolhida através de licitação.

A questão é que a exploração comercial do cabo como um todo seria deficitária, embora em alguns trechos o retorno seria vantajoso. Não há ainda um modelo de operação que permita uma avaliação objetiva sobre a viabilidade dessa infraestrutura, tão necessária para aquela região especial do planeta.

Talvez, com a primeira etapa pronta, possam ser testadas as várias possibilidades para operação do projeto como um todo. Ao entregar àquela população o embrião de um projeto tão ambicioso, deve serenar um pouco o afã político de faturar eleitoralmente sobre o empreendimento. O que vai acontecer, de fato, por enquanto é mais um entre os inúmeros segredos da Amazônia. O que se espera é que haja responsabilidade por parte dos gestores públicos para que o cabo sub fluvial não se torne mais uma lendária anaconda a atacar o erário público.

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