BLOG

A ERA DAS MERAS FORTUNAS “SEM NOÇÃO”

“Tudo bem, então aqui estamos na frente dos elefantes, e o legal desses caras é que eles têm trombas muito, muito, muito grandes, e isso é legal e é tudo o que há para dizer.” Assim foi gravado, por um jovem, um vídeo de 19 segundos no zoológico de San Diego, tendo alguns elefantes ao fundo. “Me at The Zoo” foi o primeiro vídeo a ser publicado no YouTube, uma plataforma que surgia para que qualquer pessoa pudesse publicar qualquer vídeo. Os criadores, três ex-funcionários do Pay Pal, imaginavam que seria útil para divulgar algo que servisse como prova ou testemunho de alguma coisa. Um carro parado num local proibido, alguém jogando lixo na enxurrada, uma pessoa socorrendo outra.

Acontece que a internet parece ter vontade própria. Os criadores pensam em um uso, preparam uma nova plataforma, mas são os internautas que, aleatoriamente, se apropriam daquilo e fazem funcionar de um jeito muito particular. As redes sociais mostram bem isso. Dentre outras experiências surpreendentes o YouTube fez surgir o streaming. Mas também publicou o “Baby Shark Dance”, com pouco mais de 2 minutos. Nesta semana o vídeo sul coreano atingiu a marca de 12,3 bilhões de visualizações. Marcou o record como vídeo mais assistido na plataforma, uma ingênua animação infantil estrelada por 2 crianças. É como se a metade da população da Terra tivesse assistido ao vídeo duas vezes. E a outra metade, uma vez só.

Há algum tempo assistir à TV já é o tipo de entretenimento mais praticado no mundo. Falta de opções numa sociedade tão desigual e agitada? Pode ser… Mas, se no futuro, de alguma forma ficar comprovado que assistir a vídeos é a grande preferência humana, o YouTube terá tido um papel determinante nisso. Por enquanto, o streaming tem contribuído para confirmar essa tese. Tornou-se um dos negócios que mais movimenta dinheiro, e ainda não parou de crescer. Na tela é como se a vida acontecesse de outro jeito, em outro lugar. É também a forma de trazer uma parte da realidade que, de outra maneira, muita gente jamais encontraria. São esses fenômenos que o vídeo testa a cada instante, numa infinidade de lugares, só porque existe o YouTube.

Pouco depois do lançamento da plataforma, ocorrido em meados de 2005, o Google percebeu algum potencial e comprou o negócio. Hoje o Tik Tok chinês, em segundo lugar na concorrência, preocupa até as autoridades políticas americanas. Eles atentaram para o que está evidente em Baby Shark Dance. Um lado “bobinho” da experiência audiovisual que se revela tão atraente. Como se já não fossem tantas as surpresas vindas desse lazer. Ele fez surgir bilionários improváveis. Transformou o banal no inusitado. Fez nascer o conceito de influencer, as novas celebridades mundiais, acima de qualquer exigência curricular, de valor, muito menos de conhecimento. É nas profundezas do YouTube onde se encontram os tesouros de maior valor, cultuados em outras épocas. Estão lá, disponíveis publicamente, como provas de que não sabíamos nada sobre o mundo em que vivemos, e que ainda estamos descobrindo quem somos verdadeiramente. Por fim, o YouTube inverteu o que já foi o ato de extrema coragem de “pagar para ver”. E fez de “pagar para os outros verem” um dos melhores negócios da história.

Talvez isso tudo já estivesse evidente desde sempre. Olhar para a própria realidade, em sua forma mais primária, é um prazer ancestral. Foi com simples espelhinhos que o colonizador obteve muito ouro dos nativos americanos. Isso nos faz pensar qual o tipo de “espelho” que vamos precisar para os novos tempos.

Por enquanto, ainda tudo se resume em encontrar formas de ganhar dinheiro, principalmente quando o caminho descoberto não incomodar a polícia. Nesse rumo a produtora sul coreana Pinkfong Company, autora do Baby Shark Dance, fez uma parceria com a empresa Toekenz, voltada para colecionáveis. Em outra frente, Baby Shark deve inspirar um jogo baseado em blockchain. Na contabilidade do ano passado o vídeo já tinha somado um faturamento de US$ 22 milhões. Hoje mantem uma receita de quase US$ 9,5 mil por dia, ou cerca de US$ 3,4 milhões por ano. É o oportunismo natural de transformar um grande sucesso em uma franquia. A única coisa nova que agora se acrescenta nesses tipos de franquia é a total falta de evidências quanto às razões do sucesso.

ARQUIVO DE POSTAGENS

Bitnami